|
|
FILIPE MARINHEIRO |
Filipe Marinheiro
(Portugal, 1982). No liceu seguiu o agrupamento de humanidades,
licenciando-se em Gestão de Marketing pelo Ipam Aveiro entre 2001-2006,
antes do processo de Bolonha, e publicou o primeiro livro, “Um Cândido
Dilúvio - Acto I e Sombras em Derivas - Acto II”, em Março de 2013 e
«Silêncios» em Dezembro de 2013. E agora durante o mês de Dezembro de 2014
a sua nova obra «Noutros Rostos». |
|
É ela |
|
[é ela, a água enorme, a escorrer nos aquedutos, artesanalmente
aberta como na sua infância
em fuga.
- derrubada a água sobre o cimento,
plana.
as luzes da melancolia invadem o escuro dos aquedutos.
por sobre a água e as luzes,
entoa-se
o arrefecimento e a solidão imponderada da substância.
espantando a água
sob as águas do mundo imaturo,
irrelevante,
acordará toda a dor da matéria.
os aquedutos
correm com a água desabando
as circunferências e os desníveis da massa redonda,
até os minerais serem dados como milagres
do ar que sucede ao canal da ventania
sucedendo o ar que entra,
que sucederá ao ar que sai
pelas condutas tristes.
no escuro.
noite, vibrações, pedras, resíduos químicos, vidros
em combustão com a força arrasada da água
como se trabalha.
mexe à inércia:
- bailando pelas águas
com tremenda vontade de espantar as pessoas
se não as pensam
ou sabem donde a água regressa.
a água encanta as goelas
de quem a ingere num sorriso oculto.
atravessada
a água pela boca do nome.
continuam
a deslizar os aquedutos
por entre a terra fundamente invadida pelas fundações de quem
os mete lá dentro.
aquedutos de água sem vocabulário
ou gramática para gritar a morte da água.
despenha-se a água pela lados da boca embriagada
contra o betão espesso.
a boca manda calar a engenharia dos aquedutos vastos.
e toda a água inventa a água,
fechando-a nos aquedutos carnais,
iniciando os sentidos da vida:
- a água escorrida.]
por f.m obra: «la mort de l'amour»
|
|
[haverá uma mulher levantada sobre ela própria que estoirará com
os miolos dentro. miolos de mulher todos espalhados trespassando a
solidão do nevoeiro: que passará, que baterá. está agora
deitada essa mulher, cantando a menstruação estendida por entre os
braços enormes num reflexo aleatório, sem luz ou água para se lavar.
tem a boca inundada de sangue menstruado. e os miolos haviam
entrado pelo túnel obscuro da boca toda cantada ao sexo. pelos
miolos que um dia pensaram nalguma fantasia como a angústia à ternura
da beleza. cantava a mulher: - de noite. de tarde contra as
manhãs a estremecerem devagar.
cantassem a morte com voz doce, nenhuma mulher viveria em
sofrimento. deveriam correr loucamente por um campo de flores abertas
afora, tocando-as como se morressem a cantar tão formosas.
tocadas. choradas. morreriam prematuramente as flores na
perplexidade. flores como dardos de labaredas. atiradas pelo campo
inteiro até à morte inteira. e as mãos das mulheres arderiam de
felicidade ou então andariam à procura do amor honesto. fiel.
separados os miolos ainda agarrados aos tendões das veias a
ferverem do estoiro invocariam a integridade da mulher. a ferver
no silêncio doutra vida. mulher exposta ao relento. depois do
relento arromba com os espelhos das flores. vocifera. dissipa o corpo
louco. doida estende, expande as coisas para outras coisas
inteligentes. deitada sobre as hastes das flores dos campos,
flores que voavam e corriam sobre a mulher infiltrando-se para trás,
para a frente preenchendo os lados com belas pétalas. cheirosas. -
uma madrugada cantou a purificação.
agora saberei que a morte da mulher transformou-a numa morta
prematura, e os mortos cantam comovidamente. mortos a mergulharem com
a cabeça na polpa das estrelas. batem diante o sangue da cabeça
batendo no sangue celeste. estrelas embrulhadas na confusão das
palavras da morta. - dos mortos que furam incrivelmente a
planície e delicadeza das estrelas que cantam os miolos. então os
mortos não assombram as pessoas, somente vêem pela água cristalina de
seda. purificada.
dirão: que os mortos e a própria morte são uma inocência de quem
estrangula a respiração pulmonar dos vivos. - direi que os mortos são
como afundar o batimento cardíaco e recitar algumas palavras
exepcionais.
- palavras recitadas, através do afundamento do batimento
cardíaco por sobre o espelho dos miolos daquela morta mulher.
mulher enquanto corpo derrubado pelos fundamentos da pólvora junto à
cabeça atordoada. porém, a cabeça repassa as colinas do
pensamento enquanto as noites, as tardes e as manhãs estão minadas
de inteligência e massacres pomposos. toda a palavra e morte -
sobrevivem aos tempos como pretextos da procriação e essência.
entre o meio dos miolos a mulher é fatal. reclama a paixão de
viver. anda, veleja, carrega e varre o ar do sangue do nevoeiro.
- haverá uma mulher que encantará cantando as flores debruçadas por
cima da terra molhada de menstruação. coxa, quadril, unhas e
pescoço passados por sangue menstruado ao sopro da luz lavada.
porque o sangue das flores cantará a vida. mulher já mesmo morta,
mesmo se os braços dela levantarão os miolos voltados para o céu
envelhecido. céu doutros tempos impostos. e ela deitará abaixo a
água dentro do membros caídos, fora dela inundará, virará a água
repleta de água, através dos membros, dos orgãos, dos ossos. tudo
despedaçado. e é alegria que ela pretende. a mulher moverá todas
as menstruações e miolos por estoirarem. - cantará.]
por f.m obra: «la mort de l'amour» [em criação]
|
|
[acendesse um fósforo, desembaraçaria um punho cerrado de lume até
cortar devagarinho as goelas, deitando-as numa distante poça de
sangue para dentro da lareira a arder a madeira. pelos seus
veios crepitantes, faúlhas, desprender-se-iam à volta da boca esmagada
como perfume a fósforo cheio de moléculas e combustão.
tanto lume a empurrar os braços aos punhos para baixo, que o fogo rompe
a camisola de linho encarnado. ascendo onde se acende o fósforo,
abrindo o rosto sobre o pulso e se estrangula da boca ao fígado,
é todo queimado. é o fósforo enterrado sob as labaredas por atearem
ainda. íntimo. corajoso. pegasse no punho descerrado poria-o
a descair vagarosamente pelo ombros esgaçando o peito de sangue branco
pela frente. fósforo que despedaça aonde a carne toca as goelas
atiradas à fogueira fora. cuspiria o fogo do fósforo se cantasse com
alegria a movimentação das alturas desse lume ao redor.
estala e racha bem alto: madeiras, goelas, sangue e átomos que
dançam dançando encantados com os sacrifícios dos fogos atiçados
como vozes resplandecentes. esse punho amargo de fagulhas, sabor
arrepiante a velho, antigo, desconcentrado. os lábios banhados nas
lascas do sangue a fósforo. imparciais. alienados. perecíveis. a
longitude do corte ao punho atrás com as goelas cortadas às postas,
poderá ser leve como o fumo exalado pela lareira, pesadíssimo
como a solidão. todo o punho cerrado no embaraço das goelas.]
por f.m obra: «la mort de l'amour»
|
|
[se não durmo, que me ponham uma porção de sangue menstrual diante o
sono da respiração. pela raiz do nariz sonho com o sexo enfiado numa
ferida, numa fenda profunda que seja. ou se durmo, pressinto o
outro sexo húmido até me saltar para a boca e eu beijar a côna toda
como se de repente penetrasse para dentro dela. hirto. teso.
escorregadio. por vezes coloco a língua ágil, feroz, na fenda do sexo
mulheril. que o meu sexo estanque o sexo da menstruação circulatória.
durmo lá dentro da côna estacionado como se movesse os próprios
detritos de sangue inundando-me de luz implantada. côna formosa,
uma espécie de vida eterna por estrangulamento, brota cachos de
molho pendidos de enlouquecimento. posso adormecer depois de
cortar um buraco na veia da estrela que corre como uma flecha a
pingar de lume, e se irrompe na garganta debruçada na própria
estrela, que dança entre os meus pés. e eu, danço durante a
noite pisando o meu próprio sangue. movimento de, extremo a extremo,
a despistar o sono complexo. penso como irei dormir arrastado
pelo quarto ou embrulhado pelas veias do sexo adormecido sem pêlos.
giro a cabeça entre os braços às unhas, e não adormeço, se mexer as
pernas para o outro lado da beleza da escuridão. o sangue
menstruado corta-me os sonhos da vida. pouso os fios de sangue sobre
o rosto esquecido na noite. deixo de dançar. rio-me de alegria da
elegância do corpo suspenso no chão. dou de alimentar ao rosto: -
raios de sol matinais. desse sol extraio uma faca para esquartejar a
terra funda que se respira ou dispara troncos de árvores lunares.
por altura do verão o sangue engrossa, empapa as tardes inesquecíveis de
prazer. outras tardes os dedos deixam de se deslocar, já o peito
empurra por si a respiração desde os pulmões tocados até aos rins
mantidos no seu esconderijo, manchando os punhos que tremem de
felicidade. às vezes, não sei onde se coloca a respiração se
diante a boca afogada na água ou se nos olhos às costas. tento
respirar no perímetro de uma sala que se separa doutra sala
silenciosa. sala como uma nave escura que sustem a luz desligada.
- depois de amanhã parto enrolado em galhos de árvores enterradas na
fundura da neve. neva por sobre a língua aérea. deixo tudo e
atiro-me para a sombra do sol para o respirar por breves momentos.
com a faca do sono, donde o sangue escorre com o meu tamanho, alargo
os tendões finos da boca violenta, que precisa de respirar a
menstruação dos sexos agarrando fortemente com as palmas das mãos os
quadris reluzentes, morenos, lisos, bem formados. por entre os braços
viro as coxas tapando-as de mordeduras para saberem que estou vivo e
posso muito bem inspirar. respirar a vida toda. a côna devia
apalpar-me o sexo e descobrir porque estou vivo de forças
atravessadas pelos músculos nus varrendo as penumbras: das salas
ocas. da pele inocente. das brasas chamejantes. das veias
redondas que nunca mais acabam. da cintura invadida pela roupa interior.
e o nariz pelo meio das fossas nasais rebenta de aromas
incompreensíveis. mas o nariz abre aquilo que pode ser aberto: os
pulmões acesos de luz. pulmões a esmagarem o tórax sobre si próprio:
a culpa é do sangue a bombear sangue cru. frutado. ao respirar a boca
afunda-se nos impulsos primitivos percorrendo os sexos a bafejarem os
sonos. se pretendo dormir, saudavelmente, encharquem-me a boca de
vísceras menstruadas que adormeço logo voltado para a frente de mim
mesmo. à frente. - agora respiro e juro que sou inocente.]
por f.m obra: «la mort de l'amour»
|
|
|
|
|