EVERTON MACHADO
...

Um vazio que sentiu Narciso

O homem que lá vai dentro
dos espelhos
é (ao contrário
de nós) leve:

tanto a ver conosco
mas essa cara -
de quem não leva, por
dentro,
um peso como nós.

E uma voz de poço
que se eu dentro bem olhasse
nada me responderia:
como duas pedras

meus dois olhos estarão
ainda
por tocar no fundo.

- Nada vejo. -

Em minha boca
ah é um travo, é um caco
de espelho.

(In : Um vazio que sentiu Narciso )

Prece do soldado de Deus
  ..
 

Tenho um particular para com Deus.
É que (entre outras noites)
eu perdi a razão.
Por o solilóquio.

Mas em eu agora gostar
de outras forças, falar a Deus,
é de com a alma pela boca:
balbuciando, como os peixes de Vieira.

Ele que tudo dá, o silêncio me devolve?
Ele que há, para mim me volto?
Belo céu de espelho.
Clara só a noite,
balbuciando, como os peixes de Vieira.

(In : Um vazio que sentiu Narciso )

A imagem madrasta

Que é do espelho
a imagem
não esconde.

Espelho, espelho meu,
terá alguém
mais míope

de seu?

(In : Um vazio que sentiu Narciso )

...
 

Como a minha vida
não chegasse,
armei
outros tantos
problemas.  

Abri criando
uma janela
(qual Magritte)
e passando por ela
dei com os
estilhaços lá fora.  

Mas uma vez
lá fora,
prisioneiro
de, do
fora digo.

À minha cabeça
caíram uma
a uma
as legiões
de
anjos  

de Rilke
e o Deus
todo
meticuloso
mandou  

chuva
de pedras
eram
cachimbos.

(In: A mão que alumia as bocas )

...

As vozes
têm vezes
que se calam.  

Quando é
precisam
foi tudo  

demasiado.  

Já nem sopram
segredos.  

Vestem
caras
amarradas.  

Dentro de si
nem um
fino  

sentimento.  

Como dóem
no interior
da pesada  

casca.  

Podia ser
que pregassem
uma peça.

(In: A mão que alumia as bocas )

 
...

Junte o gesto
ao verso
como quem
liga o nome
à pessoa.  

Como quem nada
quer dizer
quando escreve
e o trai
o resto.  

O que ficou sem dizer.

(In: A mão que alumia as bocas )

...

 
Everton Vasconcelos Machado nasceu aos 29 de agosto de 1975, em Divinópolis, Minas Gerais, região sudeste do Brasil. Publicou muito jovem três livros de poesia: “Asas da Liberdade” (1987), “Sempre” (1988) e “Memorial do Itinerário” (1989), que chamaram pela precocidade a atenção de escritores como Carlos Drummond de Andrade (“seu amor à poesia é digno de estímulo e acende muitas esperanças”) e Jorge Amado (“belos poemas: comoveu-me o jovem poeta brasileiro”).
Premiado aos 14 anos com o 1° Lugar no Concurso Nacional de Poesia e Prosa Falada da União Brasileira de Escritores, seção de São Paulo. Jornalista autodidata, trabalhou em televisão e colabora regularmente em publicações culturais. Deixou a Faculdade de Direito no terceiro ano. Depois de uma breve passagem pela Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de Los Baños (Cuba), iniciou estudos de Letras em 1999 na Sorbonne, em Paris, onde atualmente é aluno do primeiro ano de iniciação ao doutorado de Literatura Comparada e tutor de Português. Os poemas aqui apresentados integram os livros inéditos “Um vazio que sentiu Narciso” e “A mão que alumia as bocas”

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