EM MEMÓRIA DE TEREZA COELHO LOPES
MARIA ESTELA GUEDES
04-10-2003 www.triplov.org

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Sim, conhecemo-nos numa época em que na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa se ensinavam e se aprendiam matérias fabulosamente atractivas, enriquecedoras e estimulantes da criação literária, como foi o caso da cadeira Literatura e Mito, dada por Maria Lúcia Lepecki e Tereza Coelho Lopes.

A Tereza publicou o seu livro sobre Pessanha, resultado de estreita afinidade entre ambos, dada a similitude na exigência intelectual, do lado da Tereza manifesta numa cultura requintada, e em Camilo pela feminina delicadeza da visão poética.

Há pessoas que escolhem mal o caminho, a Tereza foi uma delas, tal como ela mesma lamentava: "Errei completamente o curso da minha vida, não era isto o que eu queria!". O curso da sua vida era entre os escritores, os professores da Faculdade de Letras, mas em péssima hora abandonou a preparação da tese de doutoramento sobre Carlos de Oliveira, para ganhar muito dinheiro, ela que não precisava disso nem o idolatrava.

No Parlamento Europeu, em Bruxelas, a Tereza chefiava uma equipa de tradutores que não sabiam que depois de "Exmº Senhor" não se escreve "recebi a sua carta", sim "recebi a carta de V.Exª", mergulhou na depressão do mundo posto entre aspas, das próprias cabeças postas entre aspas, aliás "colocadas" e não "postas" (na versão parlamentar, claro), dos nomeadamentes e dos meteres a garrafa na mesa, dos por favor, dê-me um copo com água e de tudo o que de igualmente mortífero nos possamos lembrar em matéria de falar mal português.

Gastavam-se toneladas de papel por dia naquela instituição, dizia ela, papéis que ninguém lia, num discurso pardo de projectos, alíneas e algarismos. A essa monstruosa hidra e não a outra, a Tereza não conseguiu castrar as inumeráveis cabeças.

Possa ter levado para o Jardim do Éden os poemas de Carlos de Oliveira, Herberto Helder e Camilo Pessanha, e esquecerá para a eternidade os ofícios, os projectos, as circulares e a oratória colocada entre comas dos que possuem o Parlamento nas mãos.

Maria Estela Guedes