a fogueira de Marte
Eu toda endeusada a elevar-me a outras esferas. Sem
pentear o cabelo nem arranjar a pele, sem vestir roupa lavada o ar
arruinado de meio-dia não me desvia da viagem e tudo o que é penteado e
engomado está disforme e inaudível.
Calor, calor, aspirações metafísicas que trago no
queixo. Negrume dilatado que
atirei ao ar, no meu foguetão não cabem queixas. Deixarei de ir
às compras e jogar computador também não saberei de vidas nem da
imensidão das chuvas ou tremores de terra. Tenho a pandeireta dos
ranchos folclóricos para não adormecer e um assobio de criança, mas
esse não sei porquê.
Porra de Marte que fica tão longe monto-me em cima
de um pardal que não pode comigo mas também não posso com ele.
Somos sozinhos e pequenos, pardalito pardalito. Somos casados com a
gravidez da apatia, das viagens nocturnas com bêbados e perdedores.
Dizes-me ao ouvido que é difícil comer, bem o sei.
Passo fome todos os dias porque tenho o estômago ligado à Terra e a
Terra ligada ao fígado num eterno retorno que me atira as ânsias com
toda a força.
A força também é subjectiva, não há nada que não me
traga suspeitas. Mas agora parece-me imensa.
Cão macho a urinar à minha porta não sei do que
falas mas levo-te também. A consagração dos bichos, sempre!
Ter só duas pernas é limitador quando se vomita o
mundo. Ter só uma boca não chega para dizer. Está cosida a ponto cruz
com uma rendinha antiga que ficava bem numa saia que não vou vestir.
O perigo e o medo vaiam-me, apontam-me o dedo do
meio. Mas eu vou nesta velocíssima direcção de Marte, velocíssima
velocidade do adeus sem olhar a meios. Levo uma coroa de flores na
cabeça para cheirar o que perco e uma espada na mão para combater o
olho da Mãe.
A esta velocidade perdem-se os sentidos, objectivo
final. Não se ser físico custa muito, é maior que a agulha que pica.
Entro na estratoesfera e rebento com os tímpanos – a mutação em
zumbido. Eu toda endeusada a deitar a língua de fora às cascatas,
não quero saber. Vou arder em Marte, mas ficarei bem a saltar numa
erupção espontânea a espontaneidade aparece-me sempre no prato.
Hoje não estarei cá e amanhã também não Serei
crocodilo solitário que engoliu um planeta, ah, a grandeza dos bichos!
levo-os a todos comigo - sem mim todos no nada, a caminho da grande
marcha
todos em triunfo, depois da pele enxovalhada.
|