a paragem de autocarro
embateu-me no peito
com toda a força – carruagem de
comboio
em descontrolo amoroso, bancos
partidos
com a miséria de um adeus
estava a pensar chocar contra
um táxi
e engolir o taximentro com dois
ou três dentes
mas a paragem, abrupta,
chocalhou-me o
que ia cá dentro
subiu-me à cabeça o que estava
em baixo e
desceu-me o que estava em cima
ficaste-me aos pés, assim de
repente
lagarta fugidia a engraxar-me
os
sapatos
infinitas partículas de vidro
sobre a minha
pele, mas não doeu
doeu-me mais não saber que dia
era
odeio as terças e as quartas
porque
são indefinidas
doeu-me
não saber se te lembras da
última roupa
que trazia vestida antes do
embate
que tenho um espaço entre os
dentes da frente –
ponte subtil que me liga da
esquerda
para a direita
e que os meus olhos são
oficialmente tristes
tantas coisas para embaterem em
mim
para me lembrarem que durmo
pouco
mas foi a paragem de autocarro
mais vazia
daquela noite
a garrafa já estava perdida há
muito
entre três turistas londrinos
que me
cantaram o hino e me levaram em
braços até ao diabo que me
carregou
tenho raça de quem leva com
tudo
pragas, gafanhotos, jardins
desertos
betão desprovido de tinta em
cima,
cascas, caroços, souvenirs
e agora levei com a paragem
mais
triste de Lisboa
aquela que fica
junto à esquina
do primeiro eléctrico, onde uma
velhinha que passou disse
“puta que lhe pariu os cornos”,
e onde, caso te lembres,
o amor era uma anedota
com a qual ainda nos ríamos.
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