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JOSÉ DO CARMO FRANCISCO

Marta López Vilar ou a terrível solidão do tempo

«La palabra esperada» de Marta López Vilar
Ediciones Hiperión Madrid
78 páginas – 2007
XI Premio de Arte Joven – Poesia – de la Comunidad de Madrid

A «terrível solidão do tempo» surge na página 50 do livro «La palabra esperada» de Marta López Vilar. É o outro nome da solidão da vida: nascemos sozinhos, morremos sozinhos e dormimos todos os dias sozinhos – mesmo quando nos deitamos numa cama de casal.

A poesia de Marta López Vilar faz oscilar a sua respiração entre a Natureza e a Cultura. É uma poesia moderna não porque a autora é jovem (nascem em Madrid em 1978) mas porque a sua construção se organiza também no exercício da intertextualidade.

Trata-se sem dúvida de um lugar-comum mas, tal como na agricultura, «a enxertia só se realiza numa árvore que já existe», o mesmo é dizer que é impossível começar uma poesia a partir do zero, a partir do nado ou a partir do vazio.

Chegam até aos leitores deste livro as vozes dos trovadores que andavam de terra em terra a cantar os seus poemas – ainda não havia a palavra literatura porque não havia ainda sequer os livros. É a esses antigos trovadores que a poesia de Marta López Vilar foi buscar referências e pontos de partida para a sua própria, única e pessoal aventura poética.

Dizer que «esta poesia faz oscilar a sua respiração entre a Natureza e a Cultura» é o mesmo que afirmar «esta poesia é uma viagem entre a Natureza e a Cultura». A vida é, ela mesma, uma viagem entre o nascimento e a morte. Mas a viagem não tem aqui um sentido único, uma única direcção.

Pode viajar-se na proximidade do outro, no encontro marcado:
De muy lejos vengo, como el viento claro / que abandoné en tu voz / para protegerme de la muerte. / No me despedí de ti. / Por eso ven a mí / y sálvame como tantas otras noches / de mis sueños.

Pode viajar-se no sentido turístico do termo – Dresden, Esmirna, Alexandria, Roma. Ou Lisboa, por exemplo:
Lisboa no existe. Es la herida desnuda / que contempla el Tajo, la frágil / presencia de la lluvia que florece / en las calles, el vacio que nombro en los secretos. / Ninguna imagem evoqué en esta ciudad.

Mas também noutro sentido. Pode ser o diálogo inventado com uma estátua
Cierras los ojos en busca de ese mar / que a otros cuerpos se llevó de tu lado / vuelto en ceniza e vejez, siendo calor / prematuro de la muerte.

Pode ser o diálogo inventado entre Adriano e Antínoo
Ya nada persigo, nada se presenta ante mi puerta. / Ninguna juventud senti sino la tuya / ninguna ciudad, ningún otoño desbordó / por mis manos el cabello de la luz / los misterios del aire.

Grande parte destes poemas faz um convívio com a água. É uma maneira hábil de lembrar que só há vida na água e não por acaso de diz que «rebentaram as águas» quando uma criança está prestes a nascer.

Vejamos o poema «Maresia»:

Me quedo aqui, hermosa e alegre como me hiciste / esperando que regreses del mar / y com tu olor me traigas tu presencia y tu comienzo / tu principio sin fin que me conmueve.

O mar é uma oposição à terra, mapa da secura e da morte. Como no poema final do livro:

Te marchas para siempre / y ya no sé donde se abre el mundo / donde está mi corazón y tantas flores. / Me vuelvo tierra profunda y desierta / cuerpo joven, sin rostro, enraizado a la muerte.

Um corpo enraizado na morte. Sim, enraizado porque, desde sempre se sabe, é inevitável essa morte, para todos e para o poeta também. Dessa morte só se salva o amor e a poesia. A Poesia. A Poesia. Que é a outra maneira de dizer Amor.


José do Carmo Francisco

JOSÉ DO CARMO FRANCISCO (Santa Catarina, Caldas da Rainha,1951).

Prêmio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Colaborou no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses do Instituto Português do Livro. Poeta. Possui uma antologia da sua poesia publicada no Brasil. Jornalista, colaborou entre outros em "A Bola", "Jornal do Sporting", "Remate", "Atlantico Expresso"...

Autor de "Universário", "Jogos Olímpicos", "Iniciais", "Os guarda-redes morrem ao domingo", etc., bem como de antologias como "O trabalho", "O desporto na poesia portuguesa e "As palavras em jogo", entre outras.

É secretário da Associação Portuguesa de Críticos Literários. Vive em Lisboa.
 Contacto: jcfrancisco@mail.pt

 
 
 

 

 

 



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