A «terrível solidão do tempo» surge na página 50 do
livro «La palabra esperada» de Marta López Vilar. É o outro nome da
solidão da vida: nascemos sozinhos, morremos sozinhos e dormimos todos
os dias sozinhos – mesmo quando nos deitamos numa cama de casal.
A poesia de Marta López Vilar faz oscilar a sua respiração entre a
Natureza e a Cultura. É uma poesia moderna não porque a autora é jovem
(nascem em Madrid em 1978) mas porque a sua construção se organiza
também no exercício da intertextualidade.
Trata-se sem dúvida de um lugar-comum mas, tal como na agricultura, «a
enxertia só se realiza numa árvore que já existe», o mesmo é dizer que é
impossível começar uma poesia a partir do zero, a partir do nado ou a
partir do vazio.
Chegam até aos leitores deste livro as vozes dos trovadores que andavam
de terra em terra a cantar os seus poemas – ainda não havia a palavra
literatura porque não havia ainda sequer os livros. É a esses antigos
trovadores que a poesia de Marta López Vilar foi buscar referências e
pontos de partida para a sua própria, única e pessoal aventura poética.
Dizer que «esta poesia faz oscilar a sua respiração entre a Natureza e a
Cultura» é o mesmo que afirmar «esta poesia é uma viagem entre a
Natureza e a Cultura». A vida é, ela mesma, uma viagem entre o
nascimento e a morte. Mas a viagem não tem aqui um sentido único, uma
única direcção.
Pode viajar-se na proximidade do outro, no encontro marcado:
De muy lejos vengo, como el viento claro / que abandoné en tu voz / para
protegerme de la muerte. / No me despedí de ti. / Por eso ven a mí / y
sálvame como tantas otras noches / de mis sueños.
Pode viajar-se no sentido turístico do termo – Dresden, Esmirna,
Alexandria, Roma. Ou Lisboa, por exemplo:
Lisboa no existe. Es la herida desnuda / que contempla el Tajo, la
frágil / presencia de la lluvia que florece / en las calles, el vacio
que nombro en los secretos. / Ninguna imagem evoqué en esta ciudad.
Mas também noutro sentido. Pode ser o diálogo inventado com uma estátua
Cierras los ojos en busca de ese mar / que a otros cuerpos se llevó de
tu lado / vuelto en ceniza e vejez, siendo calor / prematuro de la
muerte.
Pode ser o diálogo inventado entre Adriano e Antínoo
Ya nada persigo, nada se presenta ante mi puerta. / Ninguna juventud
senti sino la tuya / ninguna ciudad, ningún otoño desbordó / por mis
manos el cabello de la luz / los misterios del aire.
Grande parte destes poemas faz um convívio com a água. É uma maneira
hábil de lembrar que só há vida na água e não por acaso de diz que
«rebentaram as águas» quando uma criança está prestes a nascer.
Vejamos o poema «Maresia»:
Me quedo aqui, hermosa e alegre como me hiciste /
esperando que regreses del mar / y com tu olor me traigas tu presencia y
tu comienzo / tu principio sin fin que me conmueve.
O mar é uma oposição à terra, mapa da secura e da morte. Como no poema
final do livro:
Te marchas para siempre / y ya no sé donde se abre el mundo / donde está
mi corazón y tantas flores. / Me vuelvo tierra profunda y desierta /
cuerpo joven, sin rostro, enraizado a la muerte.
Um corpo enraizado na morte. Sim, enraizado porque, desde sempre se
sabe, é inevitável essa morte, para todos e para o poeta também. Dessa
morte só se salva o amor e a poesia. A Poesia. A Poesia. Que é a outra
maneira de dizer Amor.
José do Carmo Francisco |
JOSÉ DO CARMO
FRANCISCO (Santa Catarina, Caldas da Rainha,1951).
Prêmio
Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Colaborou no
Dicionário Cronológico de Autores Portugueses do Instituto Português do
Livro. Poeta. Possui uma antologia da sua poesia publicada no Brasil.
Jornalista, colaborou entre outros em "A Bola", "Jornal do Sporting",
"Remate", "Atlantico Expresso"...
Autor de "Universário",
"Jogos Olímpicos", "Iniciais", "Os guarda-redes morrem ao domingo",
etc., bem como de antologias como "O trabalho", "O desporto na poesia
portuguesa e "As palavras em jogo", entre outras.
É secretário
da Associação Portuguesa de Críticos Literários. Vive em Lisboa.
Contacto: jcfrancisco@mail.pt
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