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LUIZ VAZ DE CAMÕES
Vão as serenas águas

 

Vão as serenas águas

do Mondego descendo

mansamente, que até o mar não param;

por onde minhas mágoas

pouco a pouco crecendo,

para nunca acabar se começaram.

Ali se ajuntaram neste lugar ameno,

aonde agora mouro, testa de nove e ouro,

riso brando, suave, olhar sereno,

um gesto delicado,

que sempre n'alma m'estará pintado.

Nesta florida terra,

leda, fresca e serena,

ledo e contente para mim vivia,

em paz com minha guerra,

contente com a pena

que de tão belos olhos procedia.

Um dia noutro dia

o esperar m'enganava;

longo tempo passei,

co a vida folguei, só

porque em bem tamanho me empregava.

Mas que me presta já,

que tão fermosos olhos não os há?

Ó quem me ali dissera

que de amor tão profundo

o fim pudesse ver ind'algüa hora!

Ó quem cuidar pudera

que houvesse aí no mundo

apartar-m'eu de vós, minha Senhora,

para que desde agora

perdesse a esperança,

e o vão pensamento,

desfeito em um momento,

sem me poder ficar mais que a lembrança,

que sempre estará firme

até o derradeiro despedir-me.

Mas a mor alegria

que daqui levar posso,

com a qual defender-me triste espero,

é que nunca sentia

no tempo que fui vosso

quererdes-me vós quanto vos eu quero;

porque o tormento fero

de vosso apartamento

não vos dará tal pena

como a que me condena:

que mais sentirei vosso sentimento,

que o que minh'alma sente.

Moura eu, Senhora, e vós ficai contente!

Canção, tu estarás

aqui acompanhando

estes campos e estas claras águas,

e por mim ficarás chorando

e suspirando,

e ao mundo mostrando tantas mágoas,

que de tão larga história

minhas lágrimas fiquem por memória.

 
 
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