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LUIZ VAZ DE CAMÕES
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Já a roxa manhã clara do Oriente as portas vem abrindo, dos montes descobrindo a negra escuridão da luz avara. O Sol, que nunca pára, de sua alegre vista saudoso, trás ela, pressuroso, nos cavalos cansados do trabalho, q ue respiram nas ervas fresco orvalho, se estende, claro, alegre e luminoso. Os pássaros, voando de raminho em raminho modulando, com ua suave e doce melodia o claro dia estão manifestando. A manhã bela e amena, seu rosto descobrindo, a espessura se cobre de verdura, branda, suave, angélica, serena. Ó deleitosa pena, ó efeito de Amor tão preeminente que permite e consente que onde quer que me ache, e onde esteja, o seráfico gesto sempre veja, por quem de viver triste sou contente! Mas tu, Aurora pura, de tanto bem dá graças à ventura, pois as foi pôr em ti tão diferentes, que representes tanta fermosura. A luz suave e leda a meus olhos me mostra por quem mouro, e os cabelos de ouro não igual' aos que vi, mas arremeda: esta é a luz que arreda a negra escuridão do sentimento ao doce pensamento; o orvalho das flores delicadas são nos meus olhos lágrimas cansadas, que eu choro co prazer de meu tormento; os pássaros que cantam os meus espritos são, que a voz levantam, manifestando o gesto peregrino com tão divino som que o mundo espantam. Assi como acontece a quem a cara vida está perdendo, que, enquanto vai morrendo, algüa visão santa lhe aparece; a mim, em quem falece a vida, que sois vós, minha Senhora, a esta alma que em vós mora (enquanto da prisão se está apartando) vos estais juntamente apresentando em forma da fermosa e roxa Aurora. Ó ditosa partida! Ó glória soberana, alta e subida! Se mo não impedir o meu desejo; porque o que vejo, enfim, me torna a vida. Porém a Natureza, que nesta vista pura se mantinha, me falta tão asinha, quão asinha o sol falta à redondeza. Se houverdes que é fraqueza morrer em tão penoso e triste estado, Amor será culpado, ou vós, onde ele vive tão isento, que causastes tão longo apartamento, porque perdesse a vida co cuidado. Que se viver não posso (um homem sou só, de carne e osso), esta vida que perco, Amor ma deu; que não sou meu: se mouro, o dano é vosso. Canção de cisne, feita n'hora extrema: na dura pedra fria da memória te deixo, em companhia do letreiro de minha sepultura; que a sombra escura já me impede o dia. |
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