53
«Já fica vencedor o Lusitano,
Recolhendo os troféus e presa rica;
Desbaratado e roto o Mauro Hispano,
Três dias o grão Rei no campo fica.
Aqui pinta no branco escudo ufano,
Que agora esta vitória certifica,
Cinco escudos azuis esclarecidos,
Em sinal destes cinco Reis vencidos.
54
«E nestes cinco escudos pinta os trinta
Dinheiros por que Deus fora vendido,
Escrevendo a memória, em vária tinta,
Daquele de Quem foi favorecido.
Em cada um dos cinco, cinco pinta,
Porque assi fica o número cumprido,
Contando duas vezes o do meio,
Dos cinco azuis que em cruz pintando veio.
55
«Passado já algum tempo que passada
Era esta grão vitória, o Rei subido
A tomar vai Leiria, que tomada
Fora, mui pouco havia, do vencido.
Com esta a forte Arronches sojugada
Foi juntamente; e o sempre ennobrecido
Scabelicastro, cujo campo ameno
Tu, claro Tejo, regas tão sereno.
56
«A estas nobres vilas sometidas
Ajunta também Mafra, em pouco espaço,
E, nas serras da Lũa conhecidas,
Sojuga a fria Sintra o duro braço;
Sintra, onde as Naiades, escondidas
Nas fontes, vão fugindo ao doce laço
Onde Amor as enreda brandamente,
Nas águas acendendo fogo ardente.
57
«E tu, nobre Lisboa, que no mundo
Facilmente das outras és princesa,
Que edificada foste do facundo
Por cujo engano foi Dardânia acesa;
Tu, a quem obedece o Mar profundo,
Obedeceste à força Portuguesa,
Ajudada também da forte armada
Que das Boreais partes foi mandada.
58
«Lá do Germânico Álbis e do Reno
E da fria Bretanha conduzidos,
A destruir o povo Sarraceno
Muitos com tenção santa eram partidos.
Entrando a boca já do Tejo ameno,
Co arraial do grande Afonso unidos,
Cuja alta fama antão subia aos céus,
Foi posto cerco aos muros Ulisseus.
59
«Cinco vezes a Lũa se escondera
E outras tantas mostrara cheio o rosto,
Quando a cidade, entrada, se rendera
Ao duro cerco que lhe estava posto.
Foi a batalha tão sanguina e fera
Quanto obrigava o firme pros[s]uposto
De vencedores ásperos e ousados,
E de vencidos já desesperados.
60
«Destarte, enfim, tomada se rendeu
Aquela que, nos tempos já passados,
À grande força nunca obedeceu
Dos frios povos Cíticos ousados,
Cujo poder a tanto se estendeu
Que o Ibero o viu e o Tejo amedrontados;
E, enfim, co Bétis tanto alguns puderam
Que à terra, de Vandália nome deram.
61
«Que cidade tão forte porventura
Haverá que resista, se Lisboa
Não pôde resistir à força dura
Da gente cuja fama tanto voa?
Já lhe obedece toda a Estremadura,
Óbidos, Alanquer, por onde soa
O tom das frescas águas entre as pedras,
Que murmurando lava, e Torres Vedras.
62
«E vós também, ó terras Transtaganas,
Afamadas co dom da flava Ceres,
Obedeceis às forças mais que humanas,
Entregando-lhe os muros e os poderes;
E tu, lavrador Mouro, que te enganas,
Se sustentar a fértil terra queres:
Que Elvas e Moura e Serpa, conhecidas,
E Alcáçare do Sal estão rendidas.
63
«Eis a nobre cidade, certo assento
Do rebelde Sertório antigamente,
Onde ora as águas nítidas de argento
Vêm sustentar de longo a terra e a gente
Pelos arcos reais, que, cento e cento,
Nos ares se alevantam nobremente,
Obedeceu por meio e ousadia
De Giraldo, que medos não temia. |