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Nunca tão vivos raios fabricou
Contra a fera soberba dos Gigantes
O grão ferreiro sórdido que obrou
Do enteado as armas radiantes;
Nem tanto o grão Tonante arremessou
Relâmpados ao mundo, fulminantes,
No grão dilúvio donde sós viveram
Os dous que em gente as pedras converteram.
79
Quantos montes, então, que derribaram
As ondas que batiam denodadas!
Quantas árvores velhas arrancaram
Do vento bravo as fúrias indinadas!
As forçosas raízes não cuidaram
Que nunca pera o céu fossem viradas,
Nem as fundas areias que pudessem
Tanto os mares que em cima as revolvessem.
80
Vendo Vasco da Gama que tão perto
Do fim de seu desejo se perdia,
Vendo ora o mar até o Inferno aberto,
Ora com nova fúria ao Céu subia,
Confuso de temor, da vida incerto,
Onde nenhum remédio lhe valia,
Chama aquele remédio santo e forte
Que o impossíbil pode, desta sorte:
81
– «Divina Guarda, angélica, celeste,
Que os céus, o mar e terra senhoreias:
Tu, que a todo Israel refúgio deste
Por metade das águas Eritreias;
Tu, que livraste Paulo e defendeste
Das Sirtes arenosas e ondas feias,
E guardaste, cos filhos, o segundo
Povoador do alagado e vácuo mundo:
82
«Se tenho novos medos perigosos
Doutra Cila e Caríbdis já passados,
Outras Sirtes e baxos arenosos,
Outros Acroceráunios infamados;
No fim de tantos casos trabalhosos,
Porque somos de Ti desamparados,
Se este nosso trabalho não te ofende,
Mas antes teu serviço só pretende?
83
«Oh ditosos aqueles que puderam
Entre as agudas lanças Africanas
Morrer, enquanto fortes sustiveram
A santa Fé nas terras Mauritanas;
De quem feitos ilustres se souberam,
De quem ficam memórias soberanas,
De quem se ganha a vida com perdê-la,
Doce fazendo a morte as honras dela!»
84
Assi dizendo, os ventos, que lutavam
Como touros indómitos, bramando,
Mais e mais a tormenta acrecentavam,
Pela miúda enxárcia assoviando.
Relâmpados medonhos não cessavam,
Feros trovões, que vêm representando
Cair o Céu dos eixos sobre a Terra,
Consigo os Elementos terem guerra.
85
Mas já a amorosa Estrela cintilava
Diante do Sol claro, no horizonte,
Mensageira do dia, e visitava
A terra e o largo mar, com leda fronte.
A Deusa que nos Céus a governava,
De quem foge o ensífero Orionte,
Tanto que o mar e a cara armada vira,
Tocada junto foi de medo e de ira.
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– «Estas obras de Baco são, por certo
(Disse), mas não será que avante leve
Tão danada tenção, que descoberto
Me será sempre o mal a que se atreve.»
Isto dizendo, dece ao mar aberto,
No caminho gastando espaço breve,
Enquanto manda as Ninfas amorosas
Grinaldas nas cabeças pôr de rosas.
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Grinaldas manda pôr de várias cores
Sobre cabelos louros a porfia.
Quem não dirá que nacem roxas flores
Sobre ouro natural, que Amor enfia?
Abrandar determina, por amores,
Dos ventos a nojosa companhia,
Mostrando-lhe as amadas Ninfas belas,
Que mais fermosas vinham que as estrelas.
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Assi foi; porque, tanto que chegaram
À vista delas, logo lhe falecem
As forças com que dantes pelejaram,
E já como rendidos lhe obedecem;
Os pés e mãos parece que lhe ataram
Os cabelos que os raios escurecem.
A Bóreas, que do peito mais queria,
Assi disse a belíssima Oritia: |