56
«Assi diz e, abraçados os amigos
E tomada licença, enfim se parte.
Passa Lião, Castela, vendo antigos
Lugares que ganhara o pátrio Marte;
Navarra, cos altíssimos perigos
Do Perineu, que Espanha e Gália parte.
Vistas, enfim, de França as cousas grandes,
No grande empório foi parar de Frandes.
57
«Ali chegado, ou fosse caso ou manha,
Sem passar se deteve muitos dias.
Mas dos onze a ilustríssima companha
Cortam do Mar do Norte as ondas frias;
Chegados de Inglaterra à costa estranha,
Pera Londres já fazem todos vias;
Do Duque são com festas agasalhados
E das damas servidos e amimados.
58
«Chega-se o prazo e dia assinalado
De entrar em campo já cos doze Ingleses,
Que pelo Rei já tinham segurado;
Armam-se d' elmos, grevas e de arneses.
Já as damas têm por si, fulgente e armado,
O Mavorte feroz dos Portugueses;
Vestem-se elas de cores e de sedas,
De ouro e de jóias mil, ricas e ledas.
59
«Mas aquela a quem fora em sorte dado
Magriço, que não vinha, com tristeza
Se veste, por não ter quem nomeado
Seja seu cavaleiro nesta empresa;
Bem que os onze apregoam que acabado
Será o negócio assi na corte Inglesa,
Que as damas vencedoras se conheçam,
Posto que dous e três dos seus faleçam.
60
«Já num sublime e púbrico teatro
Se assenta o Rei Inglês com toda a corte;
Estavam três e três e quatro e quatro,
Bem como a cada qual coubera em sorte;
Não são vistos do Sol, do Tejo ao Batro,
De força, esforço e d' ânimo mais forte,
Outros doze sair, como os Ingleses,
No campo, contra os onze Portugueses.
61
«Mastigam os cavalos, escumando,
Os áureos freios, com feroz sembrante;
Estava o Sol nas armas rutilando,
Como em cristal ou rígido diamante;
Mas enxerga-se, num e noutro bando,
Partido desigual e dissonante
Dos onze contra os doze; quando a gente
Começa a alvoroçar-se geralmente.
62
«Viram todos o rosto aonde havia
A causa principal do reboliço:
Eis entra um cavaleiro, que trazia
Armas, cavalo, ao bélico serviço;
Ao Rei e às damas fala e logo se ia
Pera os onze, que este era o grão Magriço;
Abraça os companheiros, como amigos
A quem não falta, certo nos perigos.
63
«A dama, como ouviu que este era aquele
Que vinha a defender seu nome e fama,
Se alegra e veste ali do animal de Hele,
Que a gente bruta mais que virtude ama.
Já dão sinal, e o som da tuba impele
Os belicosos ânimos, que inflama;
Picam d' esporas, largam rédeas logo,
Abaxam lanças, fere a terra fogo;
64
«Dos cavalos o estrépito parece
Que faz que o chão debaixo todo treme;
O coração no peito que estremece
De quem os olha, se alvoroça e teme.
Qual do cavalo voa, que não dece;
Qual, co cavalo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas;
Qual cos penachos do elmo açouta as ancas.
65
«Algum dali tomou perpétuo sono
E fez da vida ao fim breve intervalo;
Correndo, algum cavalo vai sem dono,
E noutra parte o dono sem cavalo.
Cai a soberba Inglesa de seu trono,
Que dous ou três já fora vão do valo.
Os que de espada vêm fazer batalha,
Mais acham já que arnês, escudo e malha.
66
«Gastar palavras em contar extremos
De golpes feros, cruas estocadas,
É desses gastadores, que sabemos,
Maus do tempo com fábulas sonhadas.
Basta, por fim do caso, que entendemos
Que com finezas altas e afamadas,
Cos nossos fica a palma da vitória
E as damas vencedoras e com glória. |