23
«Se os antigos Filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influïção de sinos e de estrelas!
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo, sem mentir, puras verdades.
24
«Mas já o Planeta que no Céu primeiro
Habita, cinco vezes, apressada,
Agora meio rosto, agora inteiro,
Mostrara, enquanto o mar cortava a armada,
Quando da etérea gávea, um marinheiro,
Pronto co a vista: «Terra! Terra!» brada.
Salta no bordo alvoroçado a gente,
Cos olhos no horizonte do Oriente.
25
«A maneira de nuvens se começam
A descobrir os montes que enxergamos;
As âncoras pesadas se adereçam;
As velas, já chegados, amainamos.
E, pera que mais certas se conheçam
As partes tão remotas onde estamos,
Pelo novo instrumento do Astrolábio,
Invenção de sutil juízo e sábio,
26
«Desembarcamos logo na espaçosa
Parte, por onde a gente se espalhou,
De ver cousas estranhas desejosa,
Da terra que outro povo não pisou.
Porém eu, cos pilotos, na arenosa
Praia, por vermos em que parte estou,
Me detenho em tomar do Sol a altura
E compassar a universal pintura.
27
«Achámos ter de todo já passado
Do Semícapro Pexe a grande meta,
Estando entre ele e o círculo gelado
Austral, parte do mundo mais secreta.
Eis, de meus companheiros rodeado,
Vejo um estranho vir, de pele preta,
Que tomaram per força, enquanto apanha
De mel os doces favos na montanha.
28
«Torvado vem na vista, como aquele
Que não se vira nunca em tal extremo;
Nem ele entende a nós, nem nós a ele,
Selvagem mais que o bruto Polifemo.
Começo-lhe a mostrar da rica pele
De Colcos o gentil metal supremo,
A prata fina, a quente especiaria:
A nada disto o bruto se movia.
29
«Mando mostrar-lhe peças mais somenos:
Contas de cristalino transparente,
Alguns soantes cascavéis pequenos,
Um barrete vermelho, cor contente;
Vi logo, por sinais e por acenos,
Que com isto se alegra grandemente.
Mando-o soltar com tudo e assi caminha
Pera a povoação, que perto tinha.
30
«Mas, logo ao outro dia, seus parceiros,
Todos nus e da cor da escura treva,
Decendo pelos ásperos outeiros,
As peças vêm buscar que estoutro leva.
Domésticos já tanto e companheiros
Se nos mostram, que fazem que se atreva
Fernão Veloso a ir ver da terra o trato
E partir-se co eles pelo mato.
31
«É Veloso no braço confiado
E, de arrogante, crê que vai seguro;
Mas, sendo um grande espaço já passado,
Em que algum bom sinal saber procuro,
Estando, a vista alçada, co cuidado
No aventureiro, eis pelo monte duro
Aparece e, segundo ao mar caminha,
Mais apressado do que fora, vinha.
32
«O batel de Coelho foi depressa
Polo tomar; mas, antes que chegasse,
Um Etíope ousado se arremessa
A ele, por que não se lhe escapasse;
Outro e outro lhe saem; vê-se em pressa
Veloso, sem que alguém lhe ali ajudasse;
Acudo eu logo, e, enquanto o remo aperto,
Se mostra um bando negro, descoberto.
33
«Da espessa nuvem setas e pedradas
Chovem sobre nós outros, sem medida;
E não foram ao vento em vão deitadas,
Que esta perna trouxe eu dali ferida.
Mas nós, como pessoas magoadas,
A reposta lhe demos tão tecida
Que em mais que nos barretes se suspeita
Que a cor vermelha levam desta feita. |