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LUIZ VAZ DE CAMÕES
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Com força desusada aquenta o fogo eterno üa ilha lá nas partes do Oriente, de estranhos habitada, aonde o duro Inverno os campos reverdece alegremente. A lusitana gente por armas sanguinosas, tem dela senhorio. Cercada está dum rio de marítimas águas saudosas; das ervas que aqui nascem, os gados juntamente e os olhos pascem. Aqui minha ventura quis que üa grã parte da vida, que não tinha, se passasse, para que a sepultura nas mãos do fero Marte de sangue e de lembranças matizasse. Se Amor determinasse que, a troco desta vida, de mim qualquer memória ficasse, como história que de uns fermosos olhos fosse lida, a vida e alegria por tão doce memória trocaria. Mas este fingimento, por minha dura sorte, com falsas esperanças me convida. Não cuide o pensamento que pode achar na morte o que não pôde achar tão longa vida. Está já tão perdida a minha confiança que, de desesperado em ver meu triste estado, também da morte perco a esperança. Mas oh! que se algum dia desesperar pudesse, viveria. De quanto tenho visto já 'gora não m'espanto, que até desesperar se me defende. Outrem foi causa disto, que eu nunca pude tanto que causasse este fogo que me encende. Se cuidam que me ofende temor de esquecimento, oxalá meu perigo me fora tão amigo que algum temor deixara ao pensamento! Quem viu tamanho enleio que houvesse ai esperança sem receio? Quem tem que perder possa se pode recear. Mas triste quem não pode já perder! Senhora, a culpa é vossa, que para me matar bastará ü'hora só de vos não ver. Puseste-me em poder de falsas esperanças; e, do que mais me espanto: que nunca vali tanto que vivesse também com esquivanças. Valia tão pequena não pode merecer tão doce pena. Houve-se Amor comigo tão brando e pouco irado, quanto agora em meus males se conhece; que não há mor castigo para quem tem errado q ue negar-lhe o castigo que merece. E bem como acontece que assi como ao doente da cura despedido, o médico sabido tudo quanto deseja lhe consente, assi me consentia esperança, desejo e ousadia. E agora venho a dar conta do bem passado a esta triste vida e longa ausência. Quem pode imaginar que pode haver pecado que mereça tão grave penitência? Olhai que é consciência, por tão pequeno erro, Senhora, tanta pena! Não vedes que é onzena? Mas se tão longo e mísero desterro vos dá contentamento, nunca se acabe nele meu tormento. Rio fermoso e claro, e vós, ó arvoredos, que os justos vencedores coroais, e ao cultor avaro, continuamente ledos, dum tronco só diversos frutos dais; assi nunca sintais do tempo injúria algüa, que em vós achem abrigo as mágoas que aqui digo, enquanto der o Sol virtude à Lüa; porque de gente em gente saibam que já não mata a vida ausente. Canção, neste desterro viverás, Voz nua e descoberta, até que o tempo em Eco te converta. |
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