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LUIZ VAZ DE CAMÕES
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Que novas tristes são, que novo dano, que mal inopinado incerto dano, tingindo de temor o vulto humano? Que vejo as praias húmidas de Goa ferver de gente atónita e torvada do rumor que de boca em boca soa. É morto D. Miguel (ah! crua espada!) e parte da lustrosa companhia que se embarcou na alegre e triste armada; de espingarda ardente e lança fria passado pelo torpe e inico braço que nossas altas famas injuria. Não lhe valeu rodela ou peito de aço, nem animo de Avós altos herdado, com que se defendeu tamanho espaço; não ter-se em derredor todo cercado de corpos de inimigos, que exalavam a negra alma do corpo traspassado; não com palavras fortes, que voavam a animar os incertos companheiros, que fortes caem e tímidos viravam. Mas já postos nos termos derradeiros, passados por mil partes e cortados os membros, só do nobre esforço inteiros, os olhos, de furor acompanhados, que inda na morte as vidas amedrontam dos fracos inimigos espantados, postos no Céu, parece que apresentam a pura alma à suprema Eternidade, por quem os Céus e Terra se sustentam. E, pedindo dos erros que na idade verde e quase inocente já fazia, perdão à pia e justa Majestade, as rosas apartou da nove fria; e, como flama fraca, a quem falece seu húmido licor, de que vivia, nas mãos do Coro Angélico, que dece, se entrega; e vai gozar da vida eterna que com tão justa morte se merece. Vai-te, alma, em paz à glória sempiterna! Vai, que quem pela Lei santa e divina morre, a dá a Deus, que os Céus governa. Quando pela razão devida e dina do Rei, da Pátria, e honra dos passados sacrificar a vida nos ensina, nos assentos de estrelas esmaltados lhe dá lugar a altíssima Clemência entre os heróis à glória destinados. Mas, ah! quem sofrerá perpétua ausência e tão caro Senhor, tão fido amigo! Quem porá contra mágoas resistência? Aquele animo grande, que do antigo de seus maiores era alto retrato, desprezador de todo o vil perigo; misturado com doce e brando trato cos iguais Juntamente' e cos menores a todos amoroso, a todos grato; aquele esprito nobre, onde maiores esperanças cresciam, se o tão duro caso, as não cortara em novas flores; em verde idade, siso já maduro, alegre riso, ledo e aberto peito, e m repousado espírito seguro; não soberbo e por arte contrafeito, mas todo puro e, enfim, da natureza mais para o Céu que para a terra feito; também do corpo a humana gentileza o bem talhado gesto, que mostrava forças iguais e manhas com destreza; a cor, que o fresco rosto matizava, as rosas, flores novas de alegria, com que o Verão as faces adornava; tudo os fios da Morte, que desvia dos propósitos nossos e salteia, cortaram cruamente, quando abria. Deixa pois tu, fermosa Citereia, do gentil filho e neto de Ciniras o pranto pela morte horrenda e feia. E tu, dourado Apolo, que suspiras pelo crespo Hiacinto, moço caro, por quem a clara luz ao mundo tiras; vinde e chorai um moço ao mundo raro, não de ferino dente vulnerado, nem de animal algum que haja reparo, mas só do fero imigo traspassado; que, sem dúvida incerta ou pio medo, a vida pôs nas mãos de Marte irado. Está tu também, moço Idálio, quedo, deixa de dar o venenoso mel a beber pelos olhos triste e ledo, que já os fermosos olhos de Miguel cobertos são do negro e escuro manto da lei geral, a todos mais cruel. E vós, filhas de Téspis, que do canto podeis bem mitigar a lei imensa dos irmãos generosos e alto pranto, não consintais que façam larga ofensa à grande integridade, que, se devem, não são águas do dano recompensa. Que já, diante, os olhos me descrevem, quando as bocas da fama voadora ao pátrio e claro Tejo as novas levem, a profunda tristeza, que em üa hora tal posse tomará dos altos peitos, que a razão quase quase deite fora. Ali, de dor, os corações sujeitos pesadas lhe serão consolações e pesados exemplos e respeitos. Pequena é certo a dor, que com razões se pôde refrear, nem com memória de outros antigos e integros varões. Mas porém se igualais a vida à glória, meu grande Dom Filipe, e pretendeis d eixar de vossas obras larga história, eu não vos admoesto, que estreiteis o coração na estóica disciplina, onde livre de efeitos vos mostreis, que mal natura nossa determina medo, esperanças, dores e alegria, como o Cínico velho nos ensina. lmanidade estúpida (diria o sulmonense canto) e vil rudeza é não sentir afeitos, que a alma cria. Porém, se não sentir nada é bruteza, e se paixão de vida se consente, também o sentir muito é já fraqueza. Se dói a opinião do mal presente, e medo e opinião do mal futuro, são, enfim, tudo opiniões da gente. O verdadeiro sábio está seguro de leves alegrias e de espanto de dor, que turba da alma o licor puro. Inda antes que aconteça o riso e o pranto os tem já no sentido meditados, livre está de alvoroço e de quebranto. E como de alta torre vê cuidados humanos vãos, e aquela indiferença de ambições e cobiças e Recados; todo caso acha nele só presença, que, como as febres são da carne humana, assi os afeitos d'alma são doença. Se esta doutrina credes, que é profana, ponde os olhos na nossa, que é divina, e sobre todas santa e soberana. Vereis Arão, que não se contamina sobre os montes seus, que defendida a dor lhe foi da santa disciplina. Não chega a ver parentes, que da vida partidos são, que n'alma a Deus agrada que nenhüa aflição do mundo impida. Nós somos geração a Deus dicada sacerdotal, que em tempo nenhum deve do gentílico culto ser tocada. Se dos antigos Padres já se escreve, que, chorando, aos mortos enterraram com dor e pranto público, e não leve, era porque ainda as portas não quebraram do Céu sereno aquelas mãos cravadas que os antigos contágios alimparam. E também por ornar as sempre usadas pompas do funeral enterramento com públicas exéquias costumadas. Esta alta fortaleza e sofrimento como a forte Varão vos é devido, e como lei do santo documento. Bem conheço que o corpo assi perdido, que do sepulcro nobre aqui carece será de aves ou feras consumido. Mortos os Espartanos valerosos, da fera multidão fazendo estremos tais epitáfios tinham gloriosos: Dirás, hóspede, tu, que aqui jazemos passado do inimigo fero, enqnanto às santas leis da Pátria obedecemos. Fugindo os Persas vão com frio espanto, mas acham as mulheres no caminho amostrando-lhe o ventre sem ter manto: Pois fugis do perigo, que é vizinho, fracos! vinde esconder-vos (lhe diziam) outra vez no materno, escuro ninho. Vedes quais com mais glória ficariam se aqueles que enfim morreram pelo Estado, se os outros, que as mulheres injuriam. Mas tu, claro Miguel! que já acordado deste sonho tão breve, estás naquela torre do Céu, seguro e repousado, onde, com Deus unida a forte e bela alma, com teus maiores reluzindo, por cada chaga tens üa clara estrela; os pés o cristalino Céu medindo, pisando essas lucíferas Esferas, já da terrena os olhos encobrindo; agora um curso e outro consideras, agora a vaidade dos mortais, que tu tam bem passaras, se viveras. Mais a pena cantara, a poder mais. |
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