LAURUS & CINZA PARA
F. BOTTO SEMEDO
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Fernando -
 

O Zé Augusto e eu estivemos a ler "Primavera de cinza", e concordámos em que era o teu melhor livro. E contra tudo o que te tenho dito, não é verdade? Que precisas de mudar de vida, de estilo, de modo de ser, etc., porque já chega de brancuras, anjos, crianças puríssimas, tristeza infinita, etc., etc..

Felizmente não ligas nenhuma aos bons conselhos que te tenho dado, e até aquela enormidade de os bichos-de-conta serem trilobites esparramaste no papel!

Se os teus versos são os mais tristes que há em Portugal a seguir aos de António Nobre, é porque tu és uma pessoa triste. E não se muda assim de ser como quem muda de camisa, e por isso não se pode mudar de versos.

Deixa lá. Levaste ao cúmulo o teu estado de espírito, os teus temas e motivos, saiu um livro diferente até daquela monotonia a que chamamos estilo. E saiu diferente porque a tua persistência fez surgir a auto-ironia, um humor amargo que te alimenta de sal a esferográfica e tempera com vinagre as palavras.

Os louros são meus, e mais te darei, pois mereces: salsa, orégãos, pimenta, azeite, e um beijo, para animarmos a comunhão poética da vida.

 
Maria Estela Guedes

19.09.2004