«NO ÁLBUM DA MINHA ALMA…» - TERESA FERRER PASSOS

Se «o silêncio é uma espiral de pureza e luz», a alma do poeta é um confrangimento de dor em que se confrontam a beleza de Deus, a plenitude das crianças e as lágrimas de um mundo ofuscado pela ganância do dinheiro, pelo desprezo dos fracos, pela dessacralização do amor. Entre a pureza da criança e a fragilidade daquele que sofre, está a poesia lírica de Fernando Botto Semedo.

Vejamos os seus dois últimos títulos: «Canto Descalço» (2002) e «Poemas da Mágoa» (2003). Quer um, quer outro, apresentam-se na continuidade dos anteriores livros publicados pelo poeta. Todos, afinal, irmanados por algo de comum: a cruzada pelos injustiçados e pelos que choram, pelos que sonham ainda e pelos que já só lhes resta a triste realidade dos dias solitários, apagados e cheios de um silêncio de sons desconhecidos.

No seu penúltimo livro, «Canto Descalço», surge uma poesia que é um grito de liberdade e/ou de libertação, usando Botto Semedo um vocabulário restringido ao mínimo, e, em simultâneo, um vocabulário que alicerça toda uma linguagem de cântico ou de salmo, conforme se preferir designá-la. Porque há aqui sempre uma tonalidade espiritual que oscila entre o vazio e o absoluto, entre o infinito e a angústia. Imagens e metáforas dão forma a poemas epigramáticos, lapidares, entoando aquilo a que em música chamaríamos um «canto chão», monocórdico.

Sons e imagens sucedem-se e oferecem-nos uma musicalidade que não se insere em qualquer moda ou acorrentamento às linhas de rumo dos poetas contemporâneos. Seguem-se apenas alguns dos muitos exemplos que poderíamos apresentar, neste ensejo: «O silêncio é uma casa alvíssima / Onde encontro o essencial e a Luz» («Canto Descalço», p.22); «A minha alma é uma criança que corre, maravilhada, / Por lugares e sentimentos impossíveis» (p.23); «Sinto brilhar a minha alma eterna / No seio da noite e dos seus astros» (p.28); «As estrelas infinitas do eterno / São palhaços tristes que caíram / Das galáxias interiores para uma / Folha alva cheia da dor de um / Sangue santo» («Poemas da Mágoa», p.16); «Negativos de todos os poemas / Arruinaram-se na revelação / Da minha alma à entrada / Do amor alienado do Deus / Que é cinza infinita pela / Revolução branca» (p.54).

Na «casa» dos poetas de voz silenciada pelos clamores da omnipotente comunicação de massas, segue o seu caminho a obra da «mágoa» e «descalça» do autor destes opúsculos da poética palavra.

27 de Março de 2003