Chamo poesia à imaginação; fora da imaginação não sei o que seja
poesia. A imaginação é tanto mais forte quanto se aproxima do
inimaginável. Só essa aproximação, assim impossível, traz consigo a
percepção de um outro mundo, virgem, original, desconhecido.
Os momentos poéticos significativos de uma língua aparecem em
torno da construção verbal desta percepção do invisível. O poeta é
um viajante, que está sempre de partida. Alguém lhe pergunta: partir
sim, mas para onde? Ao que ele, como Baudelaire, responde: Anywhere
out of the world. Quer dizer, não importa para onde, contanto que
seja para fora deste mundo. O outro mundo não existe? Então é
necessário criá-Io. Nas descidas aos Infernos dos poetas gregos arcaicos, nas descrições da Ilha do Amor em Camões, nas experiências de
montanhas em Pascoaes, temos alguns dos momentos superiores dessa
criação viagem. A descrição do Hades em Homero, a geografia e o
povoamento da Ilha em Camões, o Marão em Pascoaes, participam
plenamente da construção de uma realidade viva e alterada, que pode
ser percebida pelos sentidos.
A Ilha do Amor em Camões pode ser cheirada, como o Inferno em
Dante, nos seus gemidos, pode ser ouvido, e ouvido até ao terror do
tormento. Por sua vez, o Marão em Pascoaes pode ser escalado. O
outro mundo que os poetas criam tem, como visão, consistência verbal,
mas não solidez material. Esse outro mundo é verdadeiro, apesar da
inverosimilhança física com que aparece feito. Chamo, na linha de
Henry Corbin, à presença desse imaterial, realidade viva mas incorpórea, mundo imaginal.
A procura poética da surrealidade veio lembrar, dentro da anestesia
do moderno, o alcance iniciático da tradição órfica, em que o canto, de pureza e depuração clássicas, é inspirado pela visão do além morte
ou pela demanda argonáutica de mais luz. A visão garante, através
da permanência e da similitude das imagens, a participação do ser na
experiência. Este processo é o da criação poética; o poeta, como
vidente, torna-se responsável pela criação de um outro mundo,
inimaginável até então.
A razão da poesia é a imaginação. Fala-se de imaginação, falando-se
de outro mundo. É esta a minha arte poética. É com ela que crio os
versos que escrevo, que não são um produto cultural, mas exercícios
pessoais em que apuro a imaginação, procurando, no que me rodeia,
portas de passagem para um outro mundo, que, em última visão, é
um mundo suspenso e intermédio de palavras.
As palavras são a matéria da imaginação. Elas tornam presente o
mundo, mas não existem, senão como frágeis sons ou despercebidos
traços de tinta, quer dizer, matéria quase imaginária. As palavras
servem, assim, para ver o que não existe e para recordar o que se
perdeu. Deste modo, a Ilha do Amor em Camões são oitavas, o Marão
em Teixeira de Pascoaes versos brancos e as sombras em Homero
hexâmetros. A palavra é a garantia da permanência do invisível.
[Verão de 2001]
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