EM MEMÓRIA DO
MEU PAI
«Ama e faz o que quiseres.»
Santo Agostinho
Meu querido velhinho, perfizeram-se, a 16 de Fevereiro, os seis meses
sepulcrais que tu partiste, e partiste para o Céu. Não duvido que és
agora, como o foste também na terra, bem ligado, e aliado, à vida
verdadeira, ao alto e altar de minha Mãe Maria Amélia. Pois ó Padre,
neste momento, fala por ti a nossa Biblioteca – como aluzem, ou
seduzem, os livros que me deste, os Dicionários, Houaiss, da Língua
Portuguesa. E «Os Lusíadas», também, numa edição de luxo. Morreste
sábio, meu Pai, como sábio viveste, foste o Magíster, magnânimo, da
maginação. Mas sempre aliado às cousas da terra, mas sempre o
Capricórnio da Mecânica preste. Mas melómano, eu direi, melómano e
magista como ninguém. E foi de bom tom, meu querido Pai, ah foi de
justiça, que tiveste, no funeral, as honras lis e
Lares, e portanto militares. Ai quão ferazes, e quão fastas,
quão felizes, foram as férias, figadais, que passámos em Tomar!!! Tu
vibravas com o Fausto, minha Mãe saudável era – e eu escrevia, na
Messe Militar, as sonatas e sonetos à Musa Marinela……
Foste o meu Amigo íntimo. A dada fase, meu velhinho, da minha juventa,
divertia-me apoucando, e conspurcando, a classe militar. Que é tempo
de assertar: mal avisado eu andei na minha adolescência… Mas agora,
maturo, eu digo, solerte: se eu quiser ser Pacifista, terei que
aceitar, como meus irmãos, meus colegas, e colaços, do Colégio
Militar. Não se apagam, padroeiros, os cinco anos, propedeutas, da
minha meninice. Não se apartam, meus Penates, das minhas palavras. Não
sou maricas, nem medricas, sou filho, sou primo e neto, dos Mavórcios
marciais, eu sou soldado, malabar, no Exército do Verbo. Qual
Templário, ou templeiro. Pois na pedra, meu Senhor, na pedra da ara, o
arado é qual a Cruz mas é também a espada. É o falo e é a porra, é o
pau da nossa lavra e também o bisturi. E batalhemos, nós, pois. E
marchemos, magistrais, com a salva, dessarte, e a seiva da Rosa. A
quinta-essência, o Quinto Império, a Idade, lilial, do Espírito Santo.
Quero eu dizer: o Consolador, e Paracleto. Tu não alembras, querido
Pai? Eu e tu, e o mano André, nós íamos, com fervor, à missa do
Algueirão – e nós vibrávamos com a Musa, e a Música dos cantos era a
nossa alegria. Ou melhor: Santa Maria das Almas, a alegria fantástica
das alegorias. Pois o carme era qual charme, pois Amigo do ABC, tu o
eras, quiçá, do genérico «abaissé». E fascinado e facundo pelas artes
do culto, o eras, outrossim, pelas Ciências Ocultas. Eras experto, e
perito, na Acupunctura digital, e saravas e sanavas, e ligavas a
Electrónica às iátricas artes. Pois ingénito ou ingente, ingenioso
Engenheiro tu eras deveras. E me ensaiaste na signa, me ensinaste, e
doutrinaste, a História, o Inglês e
Francês. O maquinismo e o «marteau», a Mecânica da «physis». E
muito embora pirrónico quanto ao mester e ofício do filosofar, a ti eu
devo a grande perla: a «História da Filosofia», do «benedictu»
Bertrand Russell – e não remembras, meu Pai, os meus dezoito anos???
Pois a ler, a escrever, a contar e a cantar, tu eras fã, aficionado,
de Lobsang Rampa, Aquilino Ribeiro, e Barbosa du Bocage. Assim como de
Alexandre Dumas, Manuel António Pina, e o fantástico I Ching. Acima de
tudo, imanizando, da jornada, ajardinada, de José Hermano Saraiva.
Pepitas de ouro, dessarte, no crisólogo e crisol. Pois tuas preces
matinais, elas eram, de boamente, as palavras carreadas, e Palavras
Cruzadas. Era o verbal, e tua verve, chicoteando a escuridão. Que eras
palestra e apaladado. Eras apólogo, apalavrado, e escrevias o Diário.
E já geronte, e octogenário, nos últimos anos andavas aprendendo,
assimilando, apreendendo, as Letras, a Língua e a Cultura Chinesas. Ou
direi, com justiça e justeza, a Língua, a Literatura, e a Cultura
germanas? No cordial e caroal, manda a verdade, na Lira, que eu
recorde: se não tivesses provido,
ou providenciado, o pagamento para o Grade, nunca eu me teria, com
dezanove anos apenas, estreado, ou estrelado, na república das Letras.
Andava cego, e convencido, que os marciais eram incultos, que era
preciso vituperar as Forças Armadas – e hoje, por escrito, eu te peço
perdão. Perdão a ti, à «polis» da Polícia, ao Colégio Militar. Pois
amados, animados e almados, eles são, na providência, Julião
Bernardes, Joaquim Evónio, Armando Taborda e Ricardo Durão, tudo Almas
professoras, tudo Numes e os nomes polidos e expertos. E se aquele que
é Autor, exerce autoridade, tu eras, actuado, o Autor dos meus dias,
aquele que me oferendava as Bíblias raras e preclaras…… Na tua Cruz,
na tua Luz, nunca quiseste, meu velhinho, que eu sofresse – e os meus
males, e meus achaques, eles eram, quase todos, os frutos do meu
fértil, meu feraz imaginário, e mais imaginantes que reais
propriamente......
É que eu tinha, meu Pai, eu tinha, contigo, uma dívida Kármica – e
soldado, como disse, no Exército do Verbo, eu pude, meu velhinho, eu
pude saldá-la. Ficámos, a partir de 2007, os companheiros e Amigos
inseparáveis – pois não era, dessarte, verdade, que repartias, na
companha, o pão com teu Paulo? Por isso, fortemente, eu pensei, e
apliquei-te o meu penso medical e à boamente. Acompanhava-te, logo,
logo de manhãzinha, à tua loja Kaipan, tu dolente e doente me davas o
braço – e me oferendavas, de bom grado, as molduras, imagens, e
figuras de Santos. Tinhas, partidos, os ossos dos braços, tu tinhas,
meu Padre, as pernas violáceas – e duas vezes por semana, às seis e
tal da matina, eu despertava, solícito, e cautamente te acompanhava ao
Centro de Enfermagem. Patético, dessarte, é paciente – e simpatia é
empatia, a empatia, compaixão. Aplicava-te, eu, Paulo, a pomada na
perna – e tuas dores, ó meu Pai, elas eram, no Verbo, as minhas dores
outrossim. E como disse, mais atrás, recompensavas-me preste, ó
Pater-famílias. Que de estátuas, que de Santos, que de livros,
obligado, tu me oferendavas!!!!!! E tudo, na verdade, com teu génio,
generoso, com um sorriso que brilhava geronte na face……
E é, sobretudo, à noute, que eu penso no meu Pai. Penso eu ti,
manifesto, e nos Manes que já partiram. Te imagino falando, me
acalentando, fazendo-me as massagens para eu adormecer. E o tratamento
era operoso, curial e maravilhoso. Era mais forte, a pedra de
Heracleia, que toda e qualquer benzodiazepina. Por vocábulos outros:
mais forte, teu magnetismo, que a minha mania. Se eu tivesse, mais
cedo, lido o Platão, não haveria, entre nós, a «generation gap». E
mais cedo tinha acatado, e respeitado, o Nome do Pai. O Nome do Pai,
companheiro, e o Jacques Lacan. E o que eu digo do Platão, eu digo
outrossim – do Charcot, Manuel Bernardes e Padre António Vieira. Do
Jacob Levy Moreno, Piaget, da Psicanálise inteira. Pois graças a ti,
com 52 anos, eu sou de coturno – e continuo pois jogando o jogo dos
espelhos; e só assim, ó meu Padre, eu poderei especificar, especular,
ser o espéculo e esperança em espectáculo preste. Ou cantar, eu,
poliglota, ou cantar, pelotiqueiro, perante uma plateia......
Vem portanto, no carme, à colação: um por todos, dessarte, e todos por
um. Pois pertenceste, nos anos 40 e 50, ao escol e à escola do país
Portugalaico: muita doutrina, supina, a cultura e disciplina. E findo
o curso de Engenharia Electrotécnica, especializaste-te, em plagas
americanas, em Radares e Telecomunicações – ora isso é cons-ciência,
ora isso é vanguarda do século XX. Marcado foste, como todos os
Engenheiros, eras marcado, e assinalado, pelo signo do Fogo. Por isso
mesmo, ligada a ciência à consciência, a propósito, meu Pai, da tua
cultura, me remembro, eu, caroal, de um livro liberal: «O Despertar
dos Mágicos», por Louis Pauwels e Jacques Bergier. Que esse compêndio
com-pensa. Esse compêndio abriu, digamo-lo agora, novos caminhos para
as Letras, a Lira, a Epistemologia. É que o avanço, titânico, das
Ciências da Natura, ele cria, em parabém, um mundo novo para o Homem,
um mundo em que a Física vem rectificar, e ratificar, a
Parapsicologia, a Telepatia, e os Irmãos da Rosacruz: e eu sigo,
consultivo, o meu Mestre, e eu sigo, consentâneo, o Joséphin Péladan.
Ora isso mesmo cultuou, no lai, Senhor meu Pai. E isso mesmo
doutrinaram os Autores desse «liber»: Louis Pauwels, portanto, o
Jornalista e Escritor; Engenheiro Químico, deveras, o Jacques Bergier.
À guisa, meu Pai, de Paracleto e Roger Bacon, se aliava, em ti, o
tecnismo ao tecnicismo, e tu dizias, solerte: «Um bom artista, meu
Paulo, com qualquer ferramenta trabalha.» Ou como queria, na «Eneida»,
o grande Virgílio: a nossa mente mensura, a inteligência domina as
físicas forças. E eu, legente, ou inteligente, eu agora compreendo, ou
melhor: eu estou preso, a ti, por laços filiais – pois eu leio no
interior, eu leio no imo da razão animada...........
Para sempre, meu Pai, meu querido velhinho. Quando eu começava a
aprender, compreender, o sumo e a súmula da tua doutrina, tu partiste,
subitâneo, para o Céu. Resta agora fazer, com a tua Biblioteca, a
Música, o Museu, e o Templo das Musas. Que eu te amo, e por ti clamo.
Eu sigo a Morfeu, e ao tópico Orfeu, eu sigo, mosaico, a sarça ardente
e a Lei. E citando João Belo eu digo, depós: «Sou mais eu quando Tu és
a síntese de nós.»
Lisboa, 04/ 03/ 2013
AMOR MAGISTER EST OPTIMUS
PAULO JORGE BRITO E ABREU
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