( invoco, para o Andarilho, o Arcano do Sol )
I
Estou à frente dum café e dum jornal.
Louco, como tu, depois do «Orpheu».
Profeta do mundo excepcional,
Quem te morreu?
Estou à frente dum bolo, duma galinha.
Cabelo ao luar, lábios cor de mar.
Quem foi que te sagrou como Rainha
Desse Luar?
Estou à frente do isqueiro e do cigarro.
Carpindo a tristeza do Fogo.
Na cor do teu sarro
É que m’afogo.
Estou à frente de ti, na Imensidade.
Procuro como tu o Irreal.
Irmão nocturno da Saudade,
Quem te fez mal?
II
Ângelo do Luar, e lima do vergel,
Anjo danado à beira do coval,
Os médicos das urbes trataram-te com fel.
Quem te fez mal?
Ângelo da noite, Prosérpina da teia,
O teu retrato, dinamite, no jornal.
Adorador da Lua, dessa mágica deia,
Quem te fez mal?
Ó Angelus da Morte, da Dor nunca extinta,
Lava-me as mãos com um pouco do teu sal.
Profeta da Raiva, da Raiva indistinta,
Quem te fez mal?
Ó anjo mais danado, ó anjo caído,
Sussurrando segredos à beira do rosal,
De boca magoada e olhar esmaecido,
Quem te fez mal?
Ó Angelus da Noite e do beijo nunca dado,
Ó Ângelus da Raiva e da Beleza fatal,
Senhor do desespero e Profeta danado,
Quem te fez mal?
Ângelo do Luar, arcanjo de Satã,
Procurando na Noite o Irreal,
Lábios de gaivota, boca de romã,
Quem te fez mal?
Ângelo da noite, da chama ardente e certa,
De coração fanado e boca crucial,
Alma do Luar, planície deserta,
Quem te fez mal?
Ó Angelus da Morte, de lábios torcidos,
Ostentando na Dor o meu missal,
De olhos revirados e dentes poluídos,
Quem te fez mal?
Ó anjo mais danado, arcanjo da demónia,
Senhor incongruente e nunca banal,
Lábios de sereia, olhos de amónia,
Quem te fez mal?
Ó Angelus da Noite, das trevas infinitas,
Senhor incontestado do palácio surreal,
De lágrimas sem fim, de estrofes malditas,
Oh quem te fez mal???????
Lisboa, 04/ 04/ 1987
AD AUGUSTA PER ANGUSTA
PAULO JORGE BRITO E ABREU
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