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A. MEIRELES GRAÇA
Seja o estado a pagar
 

Seja o estado a pagar
Ao menos meu funeral:
Se morto deixai-me estar
Até cheirar muito mal...

E seja o cheiro tão forte
Tão pestilento e danado
Que o faça o vento norte
De Lisboa ser cheirado!

Enquanto vivo acrescento
Com a força que me reste
Que me farei pestilento
'Té que Lisboa proteste...

Lisboa tem de pagar
A este provinciano
Quanto lhe soube sugar
Em vida ano após ano!

Entre meu cheiro de vez
No augusto Parlamento:
Protesto de português
Que paga o seu orçamento!

Se para o cheiro evitar
Me fizerem congelado
Prazer terei em gozar
O frio à custa do Estado!

E se o governo fugir
Por causa do mal cheiroso
Vereis este morto rir
Afinal vitorioso

Pois rirei com tal prazer
Ouvireis tal gargalhada
Que podereis entender
A vontade anunciada:

Se o governo fugir
Com razão pois cheiro mal
Tereis vós de admitir
Que eu salvei Portugal!

E sendo assim, desta sorte
Terei um fim tão perfeito
Que valerá minha morte
Um peido dado a preceito

Tão mal cheiroso e mofino
Que cheire até em Bruxelas
Que faz ser nosso destino
Encher de porcos gamelas!

Seja o Estado a pagar
Ao menos meu funeral:
Não me deixem enterrar
Sem que cheire muito mal...

 
Almeir/00