A estas horas
Eu procurava
Os meus Amores;
Tinham-me inveja
Os mais Pastores.
A porta abria,
Inda esfregando
Os olhos belos,
Sem flor, nem fita,
Nos seus cabelos.
Ah! que assim mesmo
Sem compostura,
É mais formosa,
Que a estrela d'alva,
Que a fresca rosa.
Mal eu a via,
Um ar mais leve,
(Que doce efeito!)
Já respirava
Meu terno peito.
Do cerco apenas
Soltava o gado,
Eu lhe amimava
Aquela ovelha
Que mais amava.
Dava-lhe sempre
No rio, e fonte,
No prado, e selva,
Água mais clara,
Mais branda relva.
No colo a punha;
Então brincando
A mim a unia;
Mil coisas ternas
Aqui dizia.
Marília vendo,
Que eu só com ela
É que falava,
Ria-se a furto,
E disfarçava.
Desta maneira
Nos castos peitos,
De dia em dia
A nossa chama
Mais se acendia.
Ah! quantas vezes,
No chão sentado,
Eu lhes lavrava
As finas rocas,
Em que fiava!
Da mesma sorte
Que à sua amada,
Que está no ninho,
Fronteiro canta
O passarinho;
Na quente sesta,
Dela defronte,
Eu me entretinha
Movendo o ferro
Da sanfoninha.
Ela por dar-me
De ouvir o gosto,
Mais se chegava;
Então vaidoso
Assim cantava:
"Não há Pastora,
"Que chegar possa
"À minha Bela,
"Nem quem me iguale
"Também na estrela;
"Se amor concede
"Que eu me recline
"No branco peito,
"Eu não invejo
"De Jove o feito;
"Ornam seu peito
"As sãs virtudes,
"Que nos namoram;
"No seu semblante
"As Graças moram."
Assim vivia...
Hoje em suspiros
O canto mudo;
Assim, Marília,
Se acaba tudo.
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