TIAGO NENÉ........

VERSOS NUS E OUTROS POEMAS - INDEX

Microscópio

[aos cientistas da poesia]

 

há um problema. este poema não começou assim,

assim desta forma,

não, não. o poema começou antes,

minutos antes de o escrever,

e o primeiro verso está muito longe

daquele que agora expendi.

também a cor do poema era outra, uma

cor difusa, definida por olhos azulões,

que o expiavam e viam através,

que suspiravam no seu sangue castanho,

que sondavam o seu insignificante-aos-olhos-de-muitos

significado mais arterial,

uma cor fundida e por outro lado fundente,

oblíqua, verticalizante, material.

quando aqui cheguei, um ou dois sonhos depois,

tudo era diferente e diferenciado,

e nem uma palavra se manteve quieta e justa.

e este exemplo, creio,

negro e incerto, inundado de um transparente opaco,

talvez possamos reter e demorar na sombra patológica das sílabas,

tal bastando para concluirmos:

1. que hoje não podemos decretar a liberdade

da lágrima no rosto preso

(concebemo-nos, recordo, dentro de um animal adolescente)

2. que a poesia não poderia ser, nunca,

como alegam esses homens de palavra de veios pulsados

e microscopizada, uma ciência exacta.

 

 

in Instalação, (a publicar em 2009) 

Tiago Nené, poeta e tradutor, nasceu em Tavira em 29 de Março de 1982. É um dos poetas da nova geração, tendo publicado em 2007 o poemário Versos Nus. Está representado em diversas antologias, revistas literárias e jornais, com destaque para Os Dias do Amor – um poema para cada dia do ano, Jornal Mundo Universitário e Revista Big Ode.  

Traduziu os seguinte s livros de poesia: O Sítio Justo, de Rafael Camarasa, e Agência do Medo, de Santiago Aguaded Landero, obras vencedoras, em 2008 e 2009 respectivamente, do Prémio Internacional Palavra Ibérica. 

Em 2009 é esperado Instalação, seu segundo livro de poemas. Advogado de profissão, é co-fundador do Grupo Literário do Algarve: Texto-al.