RAIMUNDO GADELHA.......
Sede de livre ser

É desejo de voltar atrás,

resgatar o que não mais existe

É, num instante, distante interior,

pendurar-se ao velho trem

e, leve, apenas seguir em frente...

 

É, sem temer as fagulhas da memória

crescendo ao sabor do vento, 

costurar a própria história

com o vai-e-vem das agulhas do tempo

 

Era a barra do açude, boca da noite...

Pio de pássaros, brisa soprando amiúde...

E sob o céu, em seu  desatino,

meu tio, barra do chapéu quebrada,

olhos úmidos na terra rachada

Era eu, menino, nas asas da imaginação...

Içando as âncoras dos meus navios em pleno sertão

 

Foi papel de seda, sede de livre ser...

Linha da pipa, em contumaz movimento,

fazendo ponto de cruz com a linha do horizonte

E quanto mais forte a lembrança – bolas de gude –

mais se esparrama em cores o sentimento

E também em fragmentos,  a tristeza...

Dor de saber que os sonhos mais caros

perderam-se todos em algum lugar

do mesmo antigo e mutante horizonte

 

É. Era. Foi e para sempre será...

Essa consternação, esse quase luto...

 

Hoje, cada de nós,  está emaranhado

nos nós de seu próprio reduto

Não mais o ser tão ingênuo

Não mais o ser tão menino

O sertão da infância para sempre se foi

O tempo, cruel argamassa, nos endureceu...

Cidade grande. Pedra. Concreto. Cimento

Em quase tudo,  ausência de sentimento...

 

(Puxa, irmão, como é difícil acreditar

que o destino fosse nos transformar).

 

 

Iniciado em qualquer lugar do espaço aéreo entre Belém e Brasília, em 8/9/2015 e concluído em São Paulo, em 16/9/2015

 
 
Raimundo Gadelha é formado em Publicidade e em Jornalismo pela Universidade Federal do Pará, com especialização na Universidade de Sophia, em Tóquio, Japão, onde viveu durante três anos, depois de ter estudado em Nova York. Poeta e fotógrafo, sua obra percorre o romance e a poesia, geralmente associada à Fotografia. Trabalhou durante três anos como editor da Aliança Cultural Brasil-Japão e, em 1994, fundou a Escrituras Editora. É autor de diversos livros, entre eles: Tereza, perdida, Tereza (contos, 1978), Colagem Trágica (poemas, 1980), Este circo tem futuro (Teatro, 1982) e Cristal (CD de Música Popular Brasileira, gravado em parceria com Cláudio Vespar, 1984), Um estreito chamado horizonte (1992), que o transformou no primeiro brasileiro a escrever em Tanka, a forma poética mais tradicional do Japão, Em algum lugar dentro de você mesmo (poesia, 1994, português-japonês), Brasil Retratos Poéticos 1 (fotografia/poesia, 1996, 7a edição), Para não esqueceres dos seres que somos (poesia, 1998, CD com participações especiais de Chico César, Marisa Orth, Celso Viáfora e Ná Ozzetti), Brasil Retratos Poéticos 2 (fotografia/poesia, 2001, 3a edição), Histórias do olhar (contos, 2003, com outros autores), Brasil Retratos Poéticos 3 (fotografia/poesia, 2003, 2a edição), Brasil Natureza e Poesia (fotografia/poesia, 2004), Vida útil do tempo (poesia, 2004), Brasil - Livro e Postais (fotografia, 2005) e Em algum lugar do horizonte (romance, 2000), publicado em 2007 na Grécia e no México. Em 2007, Raimundo Gadelha assumiu o controle acionário e administrativo da Arte Paubrasil (www.artepaubrasil.com.br), uma das mais reconhecidas livrarias virtuais do País.