Coroando a Serra
dita do Sapoio
cume de imutável rocha,
com o pico de pedra e as garras de pedra
cinzelou a águia um ninho de pedra
e chamou-lhe Marvão.
Ali emparelhou a águia,
macho de pedra com fêmea de plumas;
ali, pedra e pluma, as aguiazitas nasceram,
ali se fizeram fortes,
ali se fizeram ágeis
e planaram à procura de presas.
O homem,
setas e lanças,
não pôde ocupar Marvão,
porque as águias
pluma e pedra,
uma e outra vez o impediam.
Exércitos bem apetrechados sucumbiram
cobrindo as ladeiras de cadáveres
até que chegou o romano Júlio César,
astuto general
deixando encobertos escolta e soldados.
Subiu ao ninho alto, trepou à alta pedra;
uma mão sujeitava,
balindo, um cabrito trémulo,
e a outra, ondeante,
içava a bandeira branca dos parlamentares.
Sobre o palanque falou às águias receosas:
elogiou a pluma frente à pedra
elogiou a pedra frente à pluma.
semeando o orgulho em ambas
semeando em ambas a inveja.
Na primavera ensolarada e fecunda
entre a diligente pluma e a pedra enérgica,
cresceu vigorosa a discórdia.
Avançava o outono a passo cauteloso
porque as tigelas de recolher ofensas transbordavam
quando o pico e as garras de pedra
desafiaram as plumas alares e caudais,
à penugem envolvente.
O duelo originou a separação mais radical:
águias de plumas que não podiam defender-se
águias de pedra incapacitadas para voar.
Servindo-se de tal estratagema
os romanos conquistaram Marvão,
estratégica atalaia na protecção da calçada
-nexo de Santarém com Cáceres-
aprazível rio Sever
ponte de pedra da Portagem. |