Pedro Sevylla de Juana

A lenda de Marvão
Texto e fotos de Pedro Sevylla de Juana
Pintura de Nicolau Saião

Ao Alto Alentejo,
paisagem rural e urbana que levo no meu olhar

Coroando a Serra

dita do Sapoio

cume de imutável rocha,

com o pico de pedra e as garras de pedra

cinzelou a águia um ninho de pedra

e chamou-lhe Marvão.

 

Ali emparelhou a águia,

macho de pedra com fêmea de plumas;

ali, pedra e pluma, as aguiazitas nasceram,

ali se fizeram fortes,

ali se fizeram ágeis

e planaram à procura de presas.

 

O homem,

setas e lanças,

não pôde ocupar Marvão,

porque as águias

pluma e pedra,

uma e outra vez o impediam.

 

Exércitos bem apetrechados sucumbiram

cobrindo as ladeiras de cadáveres

até que chegou o romano Júlio César,

astuto general

deixando encobertos escolta e soldados.

 

Subiu ao ninho alto, trepou à alta pedra;

uma mão sujeitava,

balindo, um cabrito trémulo,

e a outra, ondeante,

içava a bandeira branca dos parlamentares.

 

Sobre o palanque falou às águias receosas:

elogiou a pluma frente à pedra

elogiou a pedra frente à pluma.

semeando o orgulho em ambas

semeando em ambas a inveja.

 

Na primavera ensolarada e fecunda

entre a diligente pluma e a pedra enérgica,

cresceu vigorosa a discórdia.

 

Avançava o outono a passo cauteloso

porque as tigelas de recolher ofensas transbordavam

quando o pico e as garras de pedra

desafiaram as plumas alares e caudais,

à penugem envolvente.

 

O duelo originou a separação mais radical:

águias de plumas que não podiam defender-se

águias de pedra incapacitadas para voar.

 

Servindo-se de tal estratagema

os romanos conquistaram Marvão,

estratégica atalaia na protecção da calçada

-nexo de Santarém com Cáceres-

aprazível rio Sever

ponte de pedra da Portagem.

Pedro Sevylla de Juana.

Nasceu em Valdepero (Palencia, Espanha), em Março de 1946. Desejoso de resolver as incógnitas da existência, começou a ler livros aos onze anos. Para explicar as suas razões, aos doze iniciou-se na escrita. Viveu em Palencia, Valladolid, Barcelona e Madrid, passando temporadas em Genebra, Estoril, Tânger, Paris e Amsterdão. Publicitário, conferencista, articulista, poeta, ensaísta e narrador. Publicou dezassete libros (El hombre en el camino, Poemas de ida y vuelta, La deriva del hombre, Del elevado vuelo del halcón, etc). Reside em El Escorial, dedicado por inteiro às suas afeicões mais arreigadas: viver, ler e escrever.
Recebeu, entre outros, os seguintes prémios: Relatos de la Mar (1997), Ciudad de Toledo de Novela (1999), Internacional de Novela “Vargas Llosa” (2000).
Contacto: valdepero@hotmail.com