DIVINOLÊNCIA
I
Há lugares que
parecem adormecidos no tempo, há neles
algo de místico e
ancestral, tudo flui com delicadeza e magia,
como se o tempo
tivesse parado, como se nos encontrássemos
no centro da
criação; então, de vez em quando, os sinos da torre
da igreja batem a
repique, anunciando a morte de mais um ente,
talvez um ente
amado, fazendo-nos lembrar que afinal o tempo
continua a fluir,
que as suas charruas profundas continuam,
secretamente, a
trabalhar na nossa carne. e :
o dilúvio desce, e
o corpo, como uma gasta concha marinha,
emerge estranho e
belo. ( 1 )
por isso: prepara
a tua barca da morte, tem sempre a barca preparada.
Porque vais
precisar dela.
Porque a viagem do
esquecimento está à tua espera. ( 2 )
( 1 ) e (
2 ): David Herbert Lawrence
II
Mas na imensa
extensão, onde se esconde O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...
Antero de Quental
Deus está sentado
à minha frente
lúcido, olha-me
com os seus olhos carcomidos.
Deus é um oceano
repleto de vazio, convulso,
uma árvore cortada
dentro de mim.
Deus
ou um cibório de sangue estático
onde, por vezes,
me estabeleço;
um deserto, a
noite IN - habitável que
rumoreja ao alto,
nos gárrulos.
insensível, Deus
habita a mudez
é a presença da
ausência que corrompe a alma
do criminoso com
um flash fetal.
criança velha que
adormece ao canto
de cada esquina,
Deus –
a pedra da pedra ,
a - não - madrugada.
In:
Caderno de Buridan
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