sábado.
os bosques. caminhamos lado a lado / estranhos / pois no cérebro ardem
meteoros de enigmas, imagens, metáforas ainda não inventadas...
a criança velha , mutilada, que sangra...
caminhamos.
cruzamos as encruzilhadas com antigas charruas às costas. rebanhos
distantes na solidão dos pastos que imaginamos no infinito desejo de
sermos o que não somos –
mas algum dia o seremos?
Wann aber sind wir? *mas o que é ser? um rosto de criança? um olhar
tão azul como a madrugada? uma dança? uma boca desdentada ? um rosto
enrugado?
entramos em
casa, olhamo-nos ao espelho
, atentamente – que vimos?
uma máscara, e por detrás dessa , outra e outra e ainda mais outra
– persona
ad infinitum.
a máscara maldita, a
máscara do tempo que nos corrói , ávida de vazio / o vazio que ficará
quando descermos à terra / alimento dos vermes / talvez o grande
alimento / a sagrada tocha na caverna de Platão. /
talvez
possamos agora estudar a essência da luz dentro da barriga dos vermes,
talvez o sol nos ilumine por dentro como se fôssemos lâmpadas
fosforescentes, ou pirilampos numa noite de verão que se ergue das
pedras e ilumina as aldeias porque as cidades já não precisam de
iluminação. / ali, a iluminação gera-se nas
cloacas inferiores e projecta-se
contra o firmamento de tal modo que os astros se apagam em sua arcaica
exterioridade.
vagueamos
pelas periferias, pelos becos, pelas estacões de velhos metropolitanos,
pelas tabernas ambulantes, pelas ruas, pelas centrais eléctricas de
múltiplos mundos que, embora tão afastados, se cruzam porque atravessam
os oceanos e os continentes através dos cabos da internet...
hoje estamos
todos próximos / tão próximos / dentro da memória de um computador / tão
próximos / com o fogo do coração firmado na ponta dos dedos / a voz do
teclado no facebook / no
chatroom / no corpo do
email... é como se
estivéssemos dentro dos cabos / é como se fôssemos teletransportados e
víssemos a alma dos outros brilhando por detrás dos vitrais da distância
– tão transparentes,
tão negras, tão reais...
ah! somos
todos irmãos / somos todos irmãos, tão irmãos, tão próximos e tão
distantes nesta real virtualidade que inventamos e nos inventa, mas que
só o corpo a certas horas pode tocar, quando a alma se petrifica e
torna carne e o mundo adormece sobre as estacas do desejo ...
enquanto uma chuva benigna lava
as ruas... as ruas... no sonho.
talvez.
* Rilke
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