LUÍS COSTA:::::::::::::

Dois poemas de Leopoldo María Panero, mudados para português por Luís Costa, com uma nótula

A quem me ler

OS LIVROS caíam sobre a minha máscara (e onde havia uma careta de velho moribundo) e as palavras açoitavam-me e um remoinho de gente gritava contra os livros, assim que os lancei todos à fogueira para que o fogo desfizesse as palavras... 

E saiu um fumo azul que dizia adeus aos livros e à minha mão que escreve: “Rumpete libros, ne rumpant anima vestra”: pois que ardam os livros nos jardins e nas lixeiras e que se queimem os meus versos sem sairem  dos meus lábios: 

O único imperador é o imperador do gelo, com o seu risinho tosco, que imita a natureza, e o seu olor a queijo podre e vinagre. Os seus lábios não falam e ante essa mudez assombro-me, caio estático de joelhos perante o cadáver da poesia.

Para minha mãe
(reivindicação da beleza) 

Ouve , à noite, como a seda se rasga

e a taça de chá cai ao chão, sem ruído,

como por magia,

tu que só tens palavras doces para os mortos

e levas um ramo de flores na mão

à espera da morte

que cai do seu corcel, ferida por um cavaleiro

que a prende com os seus lábios brilhantes

e chora pelas noites pensando que o amavas,

e diz:  vem para o jardim , vê como as estrelas caem

e falemos em sossego para que ninguém nos ouça

vem, escuta-me , falemos de nossos móveis

tenho uma rosa tatuada na face e um bastão

 

                                       com um punho em forma de pato

e dizem que chove por nós e que a neve é nossa

e agora que o poema expira,

como uma criança, te digo :

vem, eu fiz um diadema

 

( sai ao jardim e verás como a noite nos envolve )

LEOPOLDO MARÍA PANERO

Nascido em Madrid, 1948, Filho do poeta Leopoldo Panero, sobrinho de Juan Panero e irmão de Juan Luís Panero, todos poetas, Leopoldo María Panero é hoje considerado um dos poetas mais importantes da Espanha. Leopoldo tem uma formação humanista: estudou filosofia e letras na universidade de Madrid e Filologia Francesa na Universidade Central de Barcelona. 

Ainda muito jovem, foi incluído na legendária antologia poética de José María Castellet "Nueve novísimos poetas españoles" (Barral, 1970) a qual reúne obras de poetas, considerados os mais renovadores dos anos 60. Os outros 8 poetas que fazem parte desta antologia são: Manuel Vázquez Montalbán, Antonio Martínez Sarrión, José María Álvarez e "La coqueluche", composta por Félix de Azúa, Pere Gimferrer, Vicente Molina Foix, Guillermo Carnero, Ana María Moix.

Em 1974, numa reunião em casa do editor Jaime Salinas, Octavio Paz mostrou uma grande admiração pelo jovem Panero, distinguindo-o entre os demais jovens poetas espanhóis. 

Durante a sua juventude, sente-se fascinado pela esquerda radical. A sua militância antifranquista leva-o à prisão. Daqueles anos datam também as suas primeiras experiências com drogas que vão desde o álcool à heroína.

Porém enganam-se todos aqueles que pensem terem sido as drogas e o álcool a causa da sua loucura, se é que podemos falar neste caso de um louco. A verdade é que há uma grande lucidez criativa na loucura de Panero. Segundo algumas vozes, talvez a perda da razão tenha as suas origens nos excessos de leitura. Disto não temos a certeza. Mas certamente que nos ouvidos de Panero ecoam as vozes de Rimbaud, Baudelaire, Lautréamont, Nietzsche, Lewis Carroll, Edgar Allan Poe, James M. Barrie, H. P. Lovecraft etc. 

Sofrendo de esquizofrenia, é internado, em 1970, pela primeira vez, numa psiquiatria. Contudo as suas constantes reclusões em psiquiatrias e manicómios não o impedem de escrever uma copiosa obra não só como poeta, mas também como tradutor, narrador e ensaísta. Nos finais dos anos 80, altura em que a crítica reconhece a grande qualidade da sua obra, Panero decide ingressar, de modo permanente, no manicómio de Mondrágon. Dez anos depois muda-se, por vontade própria, para a Unidade Psiquiátrica de Las Palmas, Gran Canaria. 

A vida do poeta em torno da sua famosa família, foi filmada no documentário “ el desencanto " ( 1976 ) de Jaime Chávarri. Na década de 90, Ricardo Franco revisita os Panero para filmar " Después de tantos años. " 

Enquanto os seus companheiros de geração discutiam em tertúlias e apareciam nos meios de comunicação, Panero passava os dias em pensões sórdidas, psiquiatrias e manicómios. No entanto isso não o impediu, repetimos, de criar uma obra copiosa e de grande valor.

Hoje, Leopoldo Maria Panero pode ser visto como um dos grandes mitos da literatura espanhola contemporânea e é, sem dúvida, uma das figuras mais controversas.

Desde há vários anos, tem-se vindo a tornar um nome familiar nos meios de comunicação: em revistas, jornais, rádio e programas televisivos. 

Leopoldo Panero é o arquétipo do poeta decadente, tanto amado como repudiado. E é encarado como um poeta maldito ( malditismo que ele mesmo cultiva conscientemente) na linha de Baudelaire, Rimbaud, Lautréamont, Blake, Artaud etc.

Não obstante, foi o primeiro membro da sua geração a aparecer na editora clássica espanhola Cátedra, a ter um excelente biografista, J. Benito Fernandez ( " El contorno del abismo " , Tusquets, 1999) e a ser incluído na história da literatura, bem como a aparecer em antologias e programas académicos. 

A sua poesia é profunda, explosiva, lancinante e transgressora. É um poeta da liberdade total, um poeta que transcende as fronteiras da normal normalidade e da literatice como poucos o fizeram/ fazem. 

Luís Costa

Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de  Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.

Depois de passar três anos  num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo.  Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.

Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.