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PALAVRA CLARA COMO PEDRA E CAL |
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Para António
Ramos Rosa (Com poesia dele misturada) |
Espaço redondo, os anjos que conheço são
de erva e silêncio,
pois entre mim e os meus passos sempre houve um intervalo
fecundo. Por isso numa tarde de sol alto abandonei o meu
escritório comercial, aquele lugar obscuro onde as facturas se
amontoavam na caixa dos óculos do funcionário cansado.
Porque se tornara ilegível a lucidez das coisas , entrei nos
teus jardins, na nudez dos caminhos ainda sem nome, ainda
por inventariar, naquele turbilhão de furnas onde o pulso se
rasga em busca da intensidade da meia-noite e do meio-dia.
Ainda vazio, segui os teus passos, até ao
princípio da evidência,
ali na turbina do electrão que tudo anima, ali no centro das
raízes onde um insecto se revolve , o insecto que do caos se
ergue , vibrante, com a claridade dos astros e da terra, neste
corpo magro, mas febril e incendiado, neste meu corpo interior
que bem ao alto se levanta em mim, este corpo que se esvai
e vai fazendo.
Se digo um nome, digo-o em teu nome, eu,
humilde escriba,
meus cabelos e barbas flamejantes, eu que aprendi a nadar
até às matrizes primordiais, espaço redondo de pedra e cal,
espaço renovado, matéria sísmica e vibrante onde forjo cada
palavra na oblíqua exactidão das formas claras : assim sempre
deixei cair o verbo no papel, assim as palavras encontram
a sua nativa forma . |
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CALENDÁRIO MAIA |
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Caio para fora do sono. Com um estrondo
nos ouvidos corro
até à janela. Abro-a de par em par. Lá adiante, o oceano.
Escuro, ainda. As gaivotas penduradas na hibernação dos
paquetes. Respiro a maresia. Os meus pulmões são dois búzios
murmurantes; os olhos, velas pandas em frente aos portões
das sentinelas hirtas. Recomposto, bebo o café, sem leite.
Sempre detestei leite. Talvez porque tenha mamado em
demasia nos grandes peitos de minha mãe. Mastigo a torrada
habitual. Aprecio a cor do mel, escorrendo, endiabrado, pela
luz que cai da janela. Abro o jornal. Lembro-me que é inverno
no calendário maia. O fim do mundo está para breve, diz-me
o jornal, segundo o calendário maia. Xiquiripat já anda pelo
mundo, segundo o calendário maia. Ah! o fim do mundo está
para breve e eu aqui sentado muito calmamente a beber o meu
café sem leite e a comer uma torrada habitual e a raciocinar
sobre as monstruosas mamas da minha mãe. Não! Não quero
acabar assim. Tenho de fazer alguma coisa. Reinventar talvez
um novo calendário, um calendário onde o fim do mundo não
esteja para breve, mas antes esteja quase a renascer. Há que
entrar em acção. Pôr a cabeça a trabalhar, a hélice da imaginação.
Entrar pelo dia adentro até que o ovo de Colombo se abra
como um sol, como uma estrela, um ventrículo incandescente,
um sacramento, um tanque onde possa lavar as mãos, uma palavra
que eternize o momento, nem que seja por um só momento,
este momento em que nada sei, mas em que pelo menos saberei
que, ainda que hoje o mundo acabe, nunca acreditei nos
fantasmas do calendário maia.
Luís Costa, 2010 |
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Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.
Depois de passar três anos num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo. Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.
Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.
http://oarcoealira.blogspot.com/ |
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