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ENTRE A LÂMINA E A MÁSCARA
1- LUZ OU TREVAS |
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A NOITE DOS ASSASSINOS |
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os meus ossos tremem
na cabeça gera-se uma tempestade
mapas desfeitos
um fresco de Leonardo
apodrecido entre dedos inacabados
varais de solidão
e equilibristas
à beira de visões abismais
e pantominasseus veios distorcendo a eternidade
oh glória de poder tocar as coisas
com a faca dos nervos!
de as sentir por dentro
como um suave veludo
ou uma lâmina enterrando-se na vulva
de mulheres possessas
oh memória em pó!
tempestades de areia levando consigo
os últimos redutos dos velhos guerreiros,
a charrua e o lavrador,
os véus da princesa de cristal
e torres que vão caindo,
fantasmagóricas,
nas mãos dos generais da imbecilidade,
e com elas a natureza vai-nos mostrando:
as garras dos tigres
os olhos em fogo
o grande escarro no silêncio das janelas
de deus,
o seu último grito
no côncavo das mãos masturbadas dos cardeais,
a aurora
manchada de bandeiras negras
e braços enlutados,
disparando luvas de rainhas mortas
por entre risos sardónicos,
húmidos como a dor dos anjos ...
que dor é esta?
que fizemos?
como fomos capazes de sorver a última gota da Fonte ?
ah
este veneno que nos arde nas entranhas
com a brutalidade de barbáricas hordas de carniceiros
este sangue podre que invade as manhãs dos remotos jardins
esta raiva que lança fogo às casas lacustres
sem outro desejo que não seja
- destruir!
que é feito da hora do amor?
que é feito daquela tremenda força que nos estalava no peito
como um bom ciclo menstrual?
por todo o lado
corpos e almas violentadas,
a astúcia do cifrão,
o bezerro de ouro que encontrou de novo o seu lugar
e em vez das estrelas
um céu repleto de vazio
onde um barco naufraga,
obscuro,
destruindo-se dentro de si mesmo,
talvez um último sinal,
um grão
de esperança para os que vierem...
mas
as sombras já se arrastam por entre as
ruínas dos templos futuros
e o sangue corre borbulhante pelos açougues...
- é a noite dos assassinos!
nem asas nem risos de crianças
só uma estátua decapitada no centro da praça grande
sombras que descem até nós
ao corpo
às veias
à boca
ao palato
ao sexo inchado
ao conceito da alma,
qual uma cobra-capelo entre arrozais à procura de um naco de terra,
ou uma dança de desejos enlouquecidos
na língua de um pároco de aldeia,
e os sinos das igrejas tocam
dentro das pedras
e em nossos peitos
trementes
pulsa a angústia de não sabermos se somos
ou quando somos,
a angústia de raças sinistras
torturando
matando
copulando
banhando-se nas águas sujas de sangue,
limpando as mãos a toalhas de puro linho
a horas escuras,
e dizendo:
“ daqui lavamos as mãos! “
................................
..............................
...........................................
e em gritos orgiásticos,
a multidão vibra
E DE JOELHOS
AGRADECE |
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POEMA DO VIANDANTE |
In memoriam:
Frederico Hölderlin, Sebastião Alba |
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Casas de ramos de palmeira,
compartimentos desfalcados pelas chamas dos arcanjos
o centro
o deserto
é aqui que me sinto em casa
é aqui que a minha canção vibra nas cordas
da MULHER-FLOR
é aqui que o homem da chuva
ilumina as fontes com suas magníficas harpas
um quintal
ao centro maravilhosas cisternas
que flutuam no espaço
a água que corre pelos bicos dos pássaros
para que a chama dourada do seu voo penetre a vida
para que as minhas 7 irmãs acordem dos sonhos distantes
das pirâmides soterradas nos antros da imaginação
e brilhem como os metais
e povoem de novo este lugar
e aqui montem as suas tendas
e ergam altares e oráculos
e de novo
nos novos templos
os deuses encontrem a paz desejada.
ah!
deixai-me descer aos precipícios de mim mesmo
ao seu verde de música sinfónica
à escuridão do seu musgoso centro;
na chama destruidora
deixai-me olhar o terror da realidade
sentir o doce pesar da agonia no coração,
o seu estilete perfurando os recifes da pele
a confusão das grandes metrópoles
na carne
eu sei! eu sei!
é preciso ter-se um coração de cristal,
um arnês no meio da testa,
é preciso ser-se corajoso
qual o valente guerreiro que enfrenta a morte
de cabeça ao alto
é preciso saber-se dançar ao ritmo da corda bamba
como os nativos
ou os neófitos de Dionísio
mas esta é a minha vontade
soldada a ferro e fogo na troca dos anéis sagrados
a vontade do meu amor pela vida
a vontade de quem não conhece o repouso
nem o descanso dos homens fartos
serei um filho pródigo,
um Prometeu libertado em correntes
uma bússola na mão de um explorador desvairado
uma múmia ao canto de uma estrada
um revoltado sempre em revolta
que não mais voltará à casa de onde partiu
pois que bebeu do vinho dos mortos
a noite santa
pois que conheceu Sísifo pela madrugada;
serei a taça que os sacerdotes passam de mão e mão
e renegarei a minha terra
ao canto do galo
três vezes a renegarei
porém
estará sempre presente no meu coração
no interior da ferida aberta
e ali escavarei um túmulo só para ela
com um altar de finas conchas
e em cima
um verso de letras murmurantes
esta é uma escolha pesada
eu sei
para os homens - cifrão um absurdo
mas é a minha escolha.
a escolha de um homem
que como fronteiras só conhece os muros do vento
que habita o cerne da liberdade
liberdade tomada a peito
tornada palavra
sem concessões ou documentos timbrados
liberdade mais alta do que todas as torres humanas
porque monstruosa
porque pura
porque vinda da alegria e da dor
dos grandes espaços brancos
das tendas
– de quem segue de terra em terra... |
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EXÓRDIO |
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Respiram-se os pulmões pelas antecâmaras
sou eu ainda entre estes negros juncais
quando os barcos rompem constelações;
Sou eu ainda quando o sol cai, vertiginoso,
para fora das entranhas
Um dia hei-de cantar nestes púcaros de barro
a solidão de monstruosos céus
cada metal que a seu tempo me feriu os pés;
Um dia hei-de, junto ao tanque de Bashô,
cuidar das feridas com o mais puro azeite |
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ADÓNIS |
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Na obscuridade da vertigem, Adónis,
descobres
que mais não és que um equilibrista na corda bamba.
Do fundo do abismo o vazio espreita-te: os olhos
dois faróis em sangue, a língua sobre o lábio infernal...
Ah! Adónis, nem o pistão da beleza te salvará dos
vermes que um dia farão ninhos nos hospícios da tua carne.
Ainda que Vénus te ame e proteja com suas válvulas,
Thánatos virá ao teu encontro
E de ti só uma recordação estilhaçada ficará
(Uma anémona, talvez, que se alimente do teu estrume,
ou a presença da ausência no pus da ferida.) |
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IMPRESSÕES DO OUTONO |
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1
De súbito, o cadáver de uma corça,
o olor inesperado da morte.
Infinitas constelações. Olhos
de animais que nos espreitam por
entre o arvoredo, desconfiados.
Espelhos de musgo onde ninguém mora.
Velhas lendas que se acordam
nas encruzilhadas,
assim que o sol se esconde
e o farol da geada ilumina o sangue no corpo do vermes. |
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2
Sempre que o Outono chega
a fome das estrelas
ataca-me o palato
Ah!
As folhas douradas
os melros em flamas
a pedra vermelha dos lagares
e o cheiro do vinho novo
no fim da tarde
- um céu estilhaçado |
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3
Portas que se abrem e fecham
o dia inteiro,
constelações que moram na orla
do bosque,
nas tendas secretas.
E de súbito,
a meio do atalho,
uma corça morta,
o inesperado flash da morte
na película do vento.
Ao fundo,
sob o céu dos canaviais,
as flores do sonho. |
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OMNIUM SANCTORUM |
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por vezes, as sombras jorram-me dos ouvidos
e inundam-me a face, escalpelada, sem máscaras
que a protejam da chaga interior.
o véu de Maria Madalena encobre-me o coração
como tempestades num mar encarcerado
depois, enormes garranchos erguem-se dos campos,são curto-circuitos
no vazio |
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O CADÁVER |
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em cada maneira de morrer o rosto deixa
de ser o conteúdo na máscara
a memória esvai-se pelos poros do
nada, sem rosáceos suspiros
( sabe-se que um dia, ali, morou a identidade
- a noite enchia o vazio) |
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2 - VARIAÇÕES RIMBALDIANAS * |
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1 A mim
que inventei histórias e lendas de fantasmas
no tempo em que fui vendedor de armas na Abissínia,
em que as minha pernas ainda tinham a dureza dos bons varais,
a mim
que fiz da poesia carne,
que fiz de cada palavra um relâmpago de sangue,
um festim onde corria o leite e o mel,
a mim
que fui abandonado pelos remadores,
que, sozinho no barco bêbado, singrei
por universos impassíveis,
que perdi a chave do antigo império
onde se guardam as jóias dos antepassados
a mim
que pincelei florestas de signos na tela do luar,
fósseis de voragem nos corpos das mulheres ,
que respirei ouro profundo nas asas das borboletas
que inventei formas exemplares feitas do granito de velhas visões
a mim
desregrado de todos os sentidos,
tatuado pelo dedo hebraico,
cravado na crista do dilúvio de olhos pretos e crina amarelada,
no limite das fronteiras carnais,
entre arame farpado ou um paraíso de sonhos hieroglíficos,
entre cintos rutilantes ou uma velha castidade,
a mim
herege ou vidente,
que bebi de todos os venenos a sua quintessência,
que comi da hóstia de cristo o desespero de deus,
a mim uma palavra ou uma luz
Ó pleine lumière! Liberté de parole
a mim
um cometa de sal nas entranhas do tempo
ó tempo dos assassinos!
E assim
a mim regresso,
a esta hora obscura, mas gloriosa,
as mãos feridas, mas abertas para o mundo,
as mãos feridas
como uma bênção nas harpas da perdição
ou um rio que dorme no deleite dos seus favores |
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2
Dizei-me:
que badaladas serão estas?
sinos de bronze na tarde plástica de alberto caeiro?
pesadas correntes nos aposentos de nerval?
serei eu quem fala
ou será a voz de um dos meus filhos?
filhos de bárbaros desertos
onde os relógios escorrem como queijo derretido
filhos de céus vertiginosos e vingativos caindo por salmos de
rodopios,
esmagando-se contra rochedos,
filhos como anjos bebendo da baba de deus a bílis secreta,
a divina tentação,
o doce pecado na ponta da língua,
filhos do ritmo do caos e da desordem
serei eu quem inspira o tumulto desta brancura?
o reverso deste olho vazio de deus?
esta faísca que cose as bainhas da minha carne?
serei eu?
ou será a garganta descarnada do meu avô no leito da morte
agarrado a fantásticas máquinas de costura cavalgantes,
agarrado a uma luva de cíclicas nervuras secretas
ó luminoso oceano da voz,
maré que te espraias, teologicamente, pelo mundo
até à soleira da minha porta,
pleno vazio ou tábua rasa que se ergue à hora da morte nas corolas do
aço ,
vem! entra!
entra todo, integro, completo, de uma só vez,
entra pelas fechaduras cervicais
explode-as
entra em mim, toma-me todo
vem!
com peixes dourados, felinas garras, barulhares de cavernas,
fabulosas jubas,
búzios
gaivotas miraculosas
vem !
com o círculo secreto do cavalo onde cresçam rosas pelo interior
da sua forma,
onde se ornamenta o corpo
com os arcos do teu vigor cíclico
E agora
que regresso pelos ossos do teu centro
a mim mesmo, à minha casa,
revejo-me nesta tela de aves reais que me inventa e ignora,
revejo-me no mergulhar da magnifica rebentação,
nas raízes redondas,
no rolar dos peixes,
nas rodas em desatinos crepusculares
revejo-me,
mapa-múndi ou serigrafia secreta,
pobre aleijado,
sem uma perna,
os olhos vidrados,
vitrais de catedral
ou braços fugindo pelos ares,
fissuras perpetuadas na santa folha do tempo,
e provo o tosco nó das uvas,
a fervura do mel
para que um dia se faça um clarão na crusta do nada,
- um buraco de luz na cicatriz do grande silêncio. |
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3 A mim
que escrevi histórias e lendas de fantasmas
no tempo em que fui traficante de armas na Abissínia,
em que as minha pernas ainda tinham a dureza da boa madeira
em que ainda perfuravam os dias com a virilidade da flecha,
a mim
que fiz da poesia carne,
que quebrei cada palavra num relâmpago de sangue,
num festim onde corria o leite e o mel,
a mim
que fui abandonado pelos remadores,
que, sozinho no barco bêbado, singrei por universos impassíveis,
que perdi a chave do antigo império onde se guardam
as cinzas dos antepassados
a mim
que cinzelei florestas de signos fantasmagóricos na tela do luar,
fósseis de vertigens nos corpos das mulheres ,
que respirei metais fundidos nas asas das borboletas
a mim
desregrado de todos os sentidos,
tatuado pela voragem do dedo hebraico,
cravado na crista do dilúvio de olhos pretos e crina amarelada,
no limite das fronteiras carnais,
a mim
herege ou vidente que bebi de todos os venenos a sua quintessência,
que comi da hóstia de Cristo o desespero,
entre arame farpado ou parafusos de sonhos hieroglíficos,
entre cintos rutilantes ou uma velha castidade,
a mim
uma palavra ou uma luz cervical
um cometa de sal nas entranhas do tempo
o sangue dos astros,
esta cicatriz que me fecha o peito,
a mim,
uma noite que me queime até à medida da alma,
a ave morta nos orifícios do nada
e assim
a mim regresso nesta hora obscura
à medula do vazio dos ossos,
ao núcleo redondo e secreto do ser,
uma bênção nos nervos da perdição
uma seiva fluorescente no grito do grande silêncio
- Ó pleine lumière! Liberté de parole |
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4 Lembro-me do tempo em que fui
traficante de armas na Abissínia, em que as minha pernas ainda possuiam
a dureza dos bons varais, em que ainda perfuravam os dias com a ganância
da pura seiva, lembro-me das histórias e lendas de fantasmas que
inventei, que apontava no reverso das facturas besuntadas, de como da
poesia fiz carne, de como de cada palavra fiz um relâmpago de sangue, um
maravilhoso festim onde corria o vinho e o leite e o puro mel
– ó pleine lumière! alchimie du verbe.
liberté de parole.
Lembro-me de certa tarde, quando descíamos o rio, e me vi de
súbito abandonado pelos sirgadores, e sozinho, ao deus dará, no barco
bêbado, singrei por universos impassíveis, por espaços siderais, onde
perdi a chave do antigo império, onde me libertei das cinzas dos meus
antepassados, onde cinzelei florestas de signos fantasmagóricos na terra
do luar, fósseis de vertigem e raiva nos corpos dos peles-vermelhas,
onde respirei profundos metais nas asas das borboletas
E desregrado de todos os sentidos, tatuado pela voragem do dedo
hebraico, cravado na crista do dilúvio de olhos negros, no vento da
crina amarelada, no limite das fronteiras sem faróis, descobri-me nu,
todo nu, herege ou vidente ou pecador; e bebi de todos os venenos a sua
quintessência, e comi da hóstia de Hermes o delírio do fogo, este pão de
arame farpado ou parafusos egípcios, esta carne de sonhos hieroglíficos,
este chicote rutilante nos olhos, esta velha castidade com cornos nos
dedos.
Depois, tomei da palavra a luz cervical, da diástole das estrelas
a loucura, e avistei cometas de sal nas entranhas do tempo, e vi céus
explodirem raios, trombas, ressacas e correntes nas infinitas noites,
noites queimando-me a carne até à medida da alma, arrancando aves mortas
dos orifícios do orvalho, enterrando-se no corpo dos animais até à
medula dos ossos;
e pela alba fogosa regressei a mim, fraco e ferido, sem uma perna,
assim regressei a mim, a esta obscura hora, ao núcleo redondo e secreto
do ser, como uma bênção nos nervos da
maldição, um vómito ou uma sombra iluminada no grito do grande
silêncio ou um rio que se alonga num deleite de telhas quebradas,
quando o selo de deus enlividece as janelas. |
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5. A mim, que inventei histórias e
lendas de fantasmas
no tempo em que fui vendedor
de armas na Abissínia,
em que as minha pernas ainda tinham a força de um vulcão,
a mim, que fiz da poesia carne, que fiz de cada palavra
um relâmpago de sangue,
a mim, que fui abandonado pelos remadores,
que, sozinho no barco bêbado, singrei por entre
universos impassíveis, que perdi a chave do antigo palácio
onde guardávamos as jóias
dos nossos antepassados...
a mim, que pintei modelos na tela do luar, no colo das montanhas,
nas asas das borboletas igníferas,
corpos exemplares no granito das minha visões...
a mim, desregrado de todos os sentidos, na crista do dilúvio
de olhos pretos e crinas amarelas,
entre o limite das fronteiras carnais, entre arame farpado
e um paraíso de sonhos possíveis...
a mim... dizei-me, que badaladas serão estas?
sinos de bronze na tarde plácida de Alberto
Caeiro? ou pesadas correntes dentro dos aposentos de Nerval?
já não sei se sou eu quem fala
ou se será a voz de um dos meus filhos, filhos dos áridos
desertos; já não sei se sou eu quem respira sofregamente
ou se será a garganta do meu bisavô,
que sofria de bronquite asmática, no seu leito de morte.
o mar espraia-se, teologicamente, até à soleira da minha porta,
e sem que eu me aperceba entra todo,
todo, de uma só vez, pela fechadura...
peixes dourados e búzios nunca antes vistos saltam
em volta do meu leito...
vejo-me ou imagino-me na tela de mim mesmo, mergulhado
na rebentação das ondas,
sem uma perna, os olhos vidrados, vitrais de catedrais,
perpetuados para serem clarões e cometas
no meio da noite do nada, no grito do grande silêncio. |
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*Escrito
durante a leitura do livro bilingue "Iluminações Uma cerveja no
Inferno", de Jean- Arthur Rimbaud, em tradução de Mário Cesariny. |
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Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.
Depois de passar três anos num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo. Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.
Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.
http://oarcoealira.blogspot.com/ |
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