|
|
|
|
|
|
Depois,
saio dos sonhos e caio no mundo das fábulas, na distância que nos une...
caio entre o istmo poderoso dos corcéis, caio,
onde tu, meu amor, existes dentro da circunferência do mistério, onde
tu, meu amor, me falas, me contas os segredos do mundo, os segredos que
nunca chegam a ser segredos, pois entre nós não há segredos - tudo é
revelação.
Depois, nós moramos no círculo do equinócio,
no sangue rejuvenescido, nas tardes das paredes em fogo, o deserto é o
nosso caminho, o nosso caminho, mas um dia a fonte aparecerá, no centro
dum oásis, e ali construiremos casas de pedra e cal, e ali seremos
acolhidos como reis, meu amor, como reis num dia bíblico, enquanto a
sarça crepita no chão.
***
Tamareiras! Frescas sombras! Tamareiras, meu
amor. Lavo-te os pés com perfumados unguentos. A astúcia dos felinos
ferve-me nas mãos. A túnica de astros escorrega-te dos ombros, amor... e
o sangue purifica-se nos nossos lábios, no fogo dos dias, no élan vital
que nos domina com as suas redes de espanto.
Amor, meu amor! Mergulhados no flash do
instante somos o mundo...
Grito o teu nome no oráculo do vento, nas
ânforas que transformam a água em vinho. E tu ris, meu amor, ris e
corres por entre os vinhedos, e eu corro atrás de ti como uma casa
crepitante ou uma música cósmica , vinda das grandes conchas marinhas.
|
A máscara |
A
minha vida é um golpe de tocha
na tarde queimada,
nasci de um sopro de Deus
do suor,
no barro violento,
na eterna secura do seu relâmpago
Trago em mim todos os pecados do mundo,
pois minha boca abriu-se para
receber o sangue de meu irmão
Trago na testa uma ferida aberta
como sinal
Sou rei,
sou escravo,
sou deserto,
sou casa
Habito os dias no quebrar das ondas
com o oceano da máscara |
Entweder - Oder |
O
fluxo negro do ribeiro correndo
para o tanque
salamandras
translúcidas
folhas boiando
na pele da água
miríades de
mosquitos
embriagadas de
luz matinal
Sentado
aqui, debaixo
desta parreira,
sob um céu
entrançado de folhas e arames,
um livro de
história antiga na mão,
percorro o céu
de um outro tempo
no mosaico de
Issos,
em Pompei,
Casa del Fauno:
Cavalos,
cavalos
brilhantes,
Caindo,
outros
aprumando-se
sobre as patas
traseiras,
delirantes,
estrebuchando,
procurando o
equilíbrio na terra ensanguentada
que lhes foge
por baixo dos cascos...
E homens
furibundos,
gritantes,
arremessando o
viril metal,
o brilho do
sangue nos olhos,
a animalesca
faísca da morte...
Ah…!
Ali,
naquele
instante,
Só existe uma
tormenta:
matar a sede do
outro
ou beber do
outro
o seu último
húmus
- o
entweder-oder de Kierkegaard
|
Nota |
- com o mosaico de Issos, refiro-me ao
famoso mosaico que representa a Batalha de Issos, travada em 333 a. C. e
que pôs frente a frente os exércitos grego, comandado por Alexandre
Magno, e o persa comandado por Dário III. Este mosaico foi descoberto
durante escavações feitas em Pompeia, na chamada Casa do Fauno. Hoje
encontra-se no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles.
- Entweder – oder quer dizer: Ou
isso, ou aquilo |
À espera dos bárbaros |
IN MEMORIAM
ANTERO DE QUENTAL
Depois de uma leitura do poema de Kaváfis, em
tradução de Jorge de Sena:
“ À Espera dos Bárbaros” |
Não
acredito nas vossas palavras,
Nas vossas belas palavras,
Vós, homens de belas bocas,
bem enfeitados homens,
Onde a lâmina cresce
obscura
pela falta de credível violência.
Acredito antes na terra e nos animais da
terra,
No pulso de onde o sangue
corre
ainda puro e selvagem
como
a ferida no lábio de uma criança.
Não!
Demasiado bem vos conheço,
Demasiadas vezes vos ouvi
E vi...
E que descobri?
Uma torre
que de tão alta e grandíloqua
Já mal se segura.
Ó vós sacanas cegos!
prisioneiros mesquinhos das pequenas coisas:
Um pouco de politiquice aqui,
Um bom jantar ali
Um café
E lá mais para o meio da noite
Talvez, uma boa foda...
Um dia, outros virão ,
Outros,
Aqueles que vós chamais bárbaros...
Aqueles que entregues de corpo e alma
À vida,
De novo,
Serão capazes de ultrapassar
Os limiares...
De renovar a aliança...
Sim!
É dos bárbaros que precisamos,
do sangue jovem que pulsa nas veias
qual um mar furioso,
ou os cavalos de Aquiles,
à hora da morte de Pátrocolos,
fazendo tremer a terra.
L. C. MMIX |
|
Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.
Depois de passar três anos num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo. Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.
Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.
http://oarcoealira.blogspot.com/ |
|
|