O poeta é um ser em aberto, isto é,
permanentemente influenciável... O mundo que o rodeia, as várias
experiências, as leituras e, sobretudo, a leitura de outros poetas são
para ele muito importantes. Podemos compará-lo a uma esponja. No entanto
o poeta jamais poderá ser um imitador (ainda quando a sua poesia esteja
assente na mimesis), visto que, de tudo quanto regista, ele só assimila
o essencial, ou seja, a sua quintessência. Depois, graças à sua
capacidade criativa, e por meio do seu filtro pessoal, ele traz à luz do
dia um mundo novo, uma realidade outra, original e visceral: o universo
do poema.
Para o poeta o poema é um nascimento permanente, um ad infinitum, uma
contínua revelação.
Um poeta deve reconhecer os seus limites, ser autocrítico e duro consigo
mesmo. Quando isto não acontece, então encontramo-nos perante a chamada:
pseudo- poesia. Claro, para o leitor comum, que nunca teve paciência nem
tempo, ou profundidade espiritual, para ler um verdadeiro poema, isso
será poesia.
O poeta, aquele que só obedece a uma norma íntima, não se deixa
encandear por um mundo de falsas quimeras, como a fama dos palcos, fácil
e interessada. Ele tende a cultivar uma certa impopularidade e
obscuridade pois sabe que a poesia, como toda a arte, é essencialmente
impopular.
O poeta deve ser honesto consigo mesmo, por isso deve estar preparado e
ter coragem de herói, ou anti-herói, para destruir todos aqueles seus
poemas que considere não estarem nem à sua altura, nem à altura de um
futuro leitor. O respeito pelo leitor deve ser uma das grandes
prerrogativas do poeta. Ao respeitar o leitor ele respeita-se a si
próprio. Visto que:
“A obra de arte, uma vez conseguida, tem uma existência objectiva. Vale
por si mesma. Terminado o acto poético que lhe deu origem e a veio
inserir na história, rompeu-se a relação umbilical com o seu autor.
Doravante, este encontrar-se-á perante a sua obra na situação de um
crítico. Depois de esgotado o acto poético, só é possível o acto
crítico. „ (1)
Poetas somos nós todos? Sim, mas há poetas e p (r) o (l) etas.
Eluard foi um poeta. Camões, Cesariny, Cocteau, Rimbaud, Celan,
Lautréamont, Pessoa, Kavafis, Blake, Ritsos, etc. também o foram. Mas
será que chega saber-se isso para se poder dizer: eu sou poeta, ou: o
que faço é poesia? Será que chega sermos grandes conhecedores dos
mecanismos poéticos e da história da poesia?
Tudo isso ajuda, claro. Porém é preciso
discernir-se entre um galante versejador, ou aspirante a poeta, e um
poeta que se quer tornar deveras poeta, ou seja, que decidiu dedicar-se
de corpo e alma à poesia, sem condicionalismos de ordem alguma.
A verdade é que - o caminho do poeta, que se quer tornar deveras poeta,
é um caminho cheio de escolhos, longo, íngreme, muito difícil de ser
percorrido. A poesia é uma constante procura (talvez do paraíso
inatingível); ela exige muito; muitas vezes até o sangue daquele que se
quer tornar poeta. E ele, por sua vez, nada pode exigir, e muito menos
esperar alguma coisa dela:
“ A poesia não tem nada, a poesia não promete nada que não ela própria.
Há muitos séculos divorciada da sua origem religiosa, acabou por se
emancipar dos últimos mitos. No meio do desconcerto pouco menos que
geral, os poetas, tantas vezes isolados, incompreendidos, expulsos da
cidade asseguraram a continuidade da única religião possível. (2)
A poesia poderá ser até perigosa, mesmo destrutiva: lembremo-nos de um
Rimbaud, Baudelaire, Hölderlin, Sá-Carneiro, entre muitos outros.
A nosso ver ninguém nasce poeta, embora se possa nascer com o dom da
poesia. Mas se o poeta não descobrir esse dom inato, nem procurar
cultivá-lo com a dedicação devida, então esse dom de pouco ou nada lhe
valerá. Por isso aos nossos olhos, o poeta vai-se fazendo.
Todo aquele que se quiser tornar num poeta deve estar preparado para dar
voz à poesia, a todas as horas. Quer dizer, deve ser um trabalhador
incansável, um cultivador e escavador, à procura do poema dos poemas, do
grande mistério...
A poesia é uma responsabilidade. O Poeta assume-a, o pseudo-poeta não.
Como Giánnis Ritsos dizia:
“ O trabalho é absolutamente necessário. A poesia não é uma coisa dada.
“ (3)
Ritsos tem razão, a poesia não se encontra aqui, ali ou acolá à nossa
espera, ela tem de ser conquistada, inventada e reinventada, seja porque
processo for. Só por este meio o poeta consegue apreender que, sempre
que juntamos uma palavra à outra, as palavras possuem em si a capacidade
mágica de nos mostrarem como e o que temos de fazer para que o poema se
realize.
O poema talvez seja um relâmpago, ou uma flecha que se liberta do arco,
dentro dos espelhos nocturnos; e poetas verdadeiros serão todos aqueles
que lhe conseguem dar uma voz humana, mas outra, sempre outra, uma voz
visceral, tornando-o fenómeno no espaço e no tempo. A realização de um
poema, não obstante toda a técnica que o poeta seja capaz de utilizar, é
sempre um acto obscuro e misterioso. Chegando-se ali, todos os
princípios racionais falham.
Sempre que acaba de escrever um poema, depois do grande êxtase criativo,
o poeta sente-se (qual é o poeta que nunca sentiu isso?) vazio e
insatisfeito. O poema de Mário de Sá-Carneiro “ Apoteose “ descreve
precisamente isso.
A insatisfação é o motor do poeta, pois se assim não fosse, ele deixaria
simplesmente de escrever. O poeta é o grande insatisfeito, um revoltado
por natureza.
O poeta vê a poesia como um processo e não como um fim. Ele é, a maior
parte das vezes, um remador solitário, o grande solitário, remando
contra a maré...
Gottfried Benn dizia: a poesia é “ Le fond perdu “. No entanto, embora
sabendo isso, ele nunca lhe virou as costas, bem pelo contrário. Isto
porque reconheceu que valia a pena lutar-se em nome desse “ fond perdu
“.
A poesia é, de facto, entrega total, sofrimento, abandono, acto
violento, violação da palavra estática e acorrentada a princípios
utilitários (tão próprios do status quo do dia-a-dia), uma luta
ontológica, permanente, contra o vazio que nos rodeia, em nome do
indizível. Mas isso - só o Poeta o sabe.
O poeta, que decidiu tornar-se, incondicionalmente poeta, traz em si,
com assumida responsabilidade, o fluxo e refluxo dos dias estranhos, a
revelação da linguagem primordial. Pois ainda antes “ que muitas das
palavras andassem (andem), na boca do povo, foram mastigadas por um
poeta originário. “ ( 4 )
L.C., Munique 2009 |
Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.
Depois de passar três anos num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo. Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.
Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.
http://oarcoealira.blogspot.com/ |