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Cântico dionisíaco |
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Feras da meia-noite
roncos de silenciosos animais nos címbalos da floresta
área dos ecos nocturnos,
onde nada mais conhecemos que não seja a cegueira homérica,
ramos que caiem sobre a inumerável surdez das horas
e fazem estremecer os cogumelos do céu,
águias de raios ultravioletas
que percorrem clareiras
que se elevam em vertical por cima do carvalho de Thor
e num bater de asas tocam a lua cheia
e num voo de vermelho fazem vibrar
as eólicas cordas do caduceu
Além,
na orla da floresta,
além,
por detrás das raízes que jorram das fibras do mármore
além
insólitas vozes ou cânticos remotos
maravilhosos alfabetos ou hieróglifos
inscrições de bronze na interioridade do mundo
no coração selvagem de Prometeu
quando jovem leão, saltando veredas,
por onde perseguíamos,
lado a lado,
os veados de Zeus,
e silenos que corriam por entre olhos de mil safiras,
a boca da armadilha que de súbito se fechava
que de súbito cravava os dentes no imprevisto da íris
uma violenta branquidão de trevas
um desespero que assomava à garganta
como uma ressaca troiana
ou a violência do silvo das flechas de Aquiles
como quando a vida combate a própria vida
como quando a vida se separa da morte
e as portas se fecham
e a água divide a água
e o vinho retorna ao lagar da terra
Fluorescência de sangue
pontas de lanças e gumes de machados
caos ilimitado de gritos hilariantes,
vozes ctónicas que se elevam do fundo das cavernas
como um mar que se quebra contra a hercúlea amurada da terra
como uma armadura que procriasse todo o universo,
ou uma rocha vítrea na boca de peixes pré-históricos
no areoso curto-circuito das escamas
que se enrola aos sentidos
qual pequenos caranguejos de olhos movediços
feridos pela luz do sal
Ah!
o fluxo menstrual no cepo das mãos abertas,
maravilhoso fluxo
onde esperamos pela luz da luz
onde ansiamos desvendar as virtudes do corpo
para além do manto das trevas
para além dos mastros de velhos astrolábios
compassos e firmamentos
que pulsam como ventrículos possessos nas mãos dos poetas
que são astros matinais sobre púcaros de leite fresco
nos altares de Palas Atená
E vós,
ó homens
que acreditais na alegria da dança dos sátiros
homens
Eis os vossos tigres,
Eis os vossos leopardos,
Eis as vossas panteras,
Eis os vossos leões,
Eis as vossas serpentes encantadas,
Eis os vossos linces
Eis a carne que é da carne,
o espírito que é do espírito
Homens,
exercitai-vos na leveza da luz pélvica
na explosão dos corpos suados de dança
nos plasmas soporíferos,
no repartir das almas
na faca poisada sobre os alguidares de barro
na máquina das mil lâminas cintilantes
do filho pródigo que, ainda vacilante, se ergue da terra
que rasga o ventre de Maia...
E dançai,
dançai à volta da figueira sagrada
no equinócio das aortas
por onde corre o verde esperma, o sangue
da vida ou da morte,
da alegria ou da dor
do ódio ou do amor
do princípio do mundo
quando as rodas estrondeiam
roda contra roda
para lá de todas as metas,
como nas entranhas da fera
que fulmina as trevas da meia-noite
como o manto que encobre
a cabana lacustre com vapores de nuvens,
ou a criança nua que, com um alegre grito de luz,
decepa a flor dos cardos
L.C. 2009 |
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Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.
Depois de passar três anos num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo. Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.
Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.
http://oarcoealira.blogspot.com/ |
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