LUÍS COSTA::::::::::::

Céu pascal

Um céu alto,
um céu bem alto,
Um céu onde as aves se despenham ébrias de obscuridade,
Um céu de chilreios metálicos
onde o mar se liberta de todos os espelhos
com todos os seus bichos de cabeças roxas
Um céu que me habita no tórax
Um céu que me faz sentir os rios exteriores ao corpo
A pulsação enegrecida de monstruosas veias
na rebentação das ondas

Neste lugar
onde os rebanhos transpiram a solidão dos dias estranhos
Neste lugar
onde o vento de Deus sopra nos ossos mortos
Neste lugar
tu conheces o sacrifício da carne e a dor no centro do peito,
a dor do vazio
a dor de saber que cada Outono é outro Outono
que cada Primavera é outra Primavera
( talvez a última )
a dor da perda dos olhos
da cabeça entre as mãos
a dor de não haver um sofá no centro do deserto

E as ruas erguem-se ,
empinam-se na extensão do delírio das fêmeas possessas
da acentuação hilariante entre coxas
quando as horas são cabos de alta tensão
endovenosos
quando as casas se afundam no estribo de férreas carcaças
e a pele é um ramo seco ao canto de uma estrada
com um coração dentro
um coração que o mar ali deixou,
um coração enterrado no abandono do gelo da noite
sem dó ou piedade

a noite
a noite em que a cegueira dos homens se evidencia
nos rumores dos estandartes
nos brilhantes metais
no relincho dos cavalos de crinas cortadas
nos corpos que caiem por terra
no aço dos olhos da fera por entre matagais
de pétreo silêncio...
...............................................................

A noite...

A noite do grande sacrifício,
noite da ferida que se abre para receber toda a dor mundo....

Noite sagrada...

Noite da presumível revelaç ão.

.........................................................
.....................................................................

Mas onde está o sinal do sangue?
Que é feito do manto que cobria o mistério das coisas?
Que é feito do baú?
Das raízes que cresciam entre as línguas do húmus?
Dos manuscritos onde o mar habitava as conchas
ainda límpidas
ainda murmurantes como o princípio do mundo?

................................................................................
..............................................................................

nas últimas palavras
entre o pão e o vinho
onde a esperança levanta fervura,
a boca,
as vértebras à mostra
o corpo ensanguentado...

...................................................
.......................... uma fonte ainda possível?
................................. um convívio de alianças?
........................................

um tempo
talvez
onde soubéssemos ir até ao fundo da verdura?

 

Luís Costa, Züschen  8 de Abril 2009

Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de  Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.

Depois de passar três anos  num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo.  Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.

Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.

http://oarcoealira.blogspot.com/