:::::::::::::::::::::LUÍS COSTA::::::::::::
Cosmos e matéria

Por vezes dá-me a impressão de que os cientistas dos nossos dias se consideram em posição de competir com Deus. Eles imaginam-se, mesmo, capazes de um dia chegarem a criar vida, e até conseguirem provocar o tão famoso Big-Bang, o chamado segundo zero (o que poderá brevemente acontecer.).

No que diz respeito ao campo da Genética, o homem já brinca com ferramentas que de facto só podem ser bem aplicadas nas mãos dos deuses e não nas mãos de um ser que nem é macaco nem é Deus.

Todo o conhecimento científico que possuímos, hoje, sobre a matéria e sobre o Cosmos, o qual por vezes até nos chega a dar a sensação de já nos encontramos bastante próximos de Deus, não nos permite, porém, nem abarcar o mundo como um todo, nem nos consegue dar uma resposta convincente àquela pergunta que sempre nos acompanhou e acompanhará, embora por vezes façamos por esquecê-la: quem somos nós afinal e o que fazemos aqui?

No seu ensaio “ Der Kosmos und das Leben “ Karl Jaspers demonstra-nos, com toda a clareza, como a ciência não tem, apesar de todo o seu enorme conhecimento e desenvolvimento, capacidade para nos explicar o mundo a partir de uma perspectiva unitária (e por isso falha.). A verdade é que o conhecimento científico que hoje temos do cosmos bem como da matéria, devido ao seu relativismo, nos tem levado a destruir toda a unidade cosmológica na qual, por exemplo, o homem da Idade Média e o homem dos tempos míticos e pagãos acreditava. Na Idade Média, por exemplo, o homem sentia-se como uma parte integrante do cosmos ou seja do plano divino. Ele sentia-se em casa. Hoje, pelo contrário, o homem sente-se um exilado, uma espécie de anjo caído.

Diz-nos Karl Jaspers que:

Kosmos und Materie führen unsere Weltwissen in Unendlichkeiten, als Kosmos in das zurückweichende Größte, als Materie in das immer wieder entziehende Kleinste.

E ainda no mesmo ensaio, um pouco mais á frente, podemos também ler:

„Für die Wissenschaftliche Erkenntnis liegt die Welt in Zerrissenheit vor uns, umso tiefer, je die wissenschaftliche Erkenntnis wird. „

Quer dizer, a ciência não consegue explicar o mundo. Ela, bem pelo contrário, perdeu-se nos limbos da investigação da matéria e do cosmos. Quanto maior é o seu conhecimento, tanto maior é a sua incapacidade de explicar o mundo como um todo.

A matéria é, nos dias de hoje, algo que poderemos nomear de indefinível. E o leitor poderá, e muito bem, perguntar: mas porquê?

Porque a física tende a relativiza-la, a dividi-la cada vez mais em ainda mais pequenas partículas, não conseguindo encontrar nela uma estrutura final. Se os gregos podiam dizer que o átomo era a última partícula da matéria e que este era indivisível, hoje já não nos é possível afirmar isso. Hoje encontramo-nos no mundo do relativismo. Isto é, numa perspectiva que lembra bastante o desenrolar existencialista do “ Processo “ de Franz Kafka.

Muitos físicos supõem mesmo que talvez nunca se chegue a encontrar uma última estrutura da matéria, mas antes que se irão encontrando sempre e sempre novas e novas estruturas até à infinidade. Isto quer, mais ao menos dizer que vivemos num mundo sem fundo. Sob esta perspectiva até a própria cadeira em que nos encontramos agora sentados é um nada.
Quanto ao nosso conhecimento do Cosmos, esse, por sua vez, tende a perder-se na infinidade da expansão. Ele expande-se e expande-se e expande-se até ao infinito.

A Matemática, única disciplina científica capaz ou presumível, de o explicar, atingiu aqui os seus limites, limites inultrapassáveis. Já que ele se expande e expande e expande... Será que esta expansão algum dia terminará? Quanto a esta questão a ciência não nos pode dizer absolutamente nada. Apenas pode fazer deduções, criar teorias que à primeira vista poderão parecer satisfatórias, mas que, depois de bem analisadas, caiem por terra como uma torre mal construída a seguir a um tremor de terra. Apesar de todo o nosso conhecimento, o futuro permanecera sempre um mistério, e a existência será sempre inexplicável, nem mais nem menos.

Porém, como Karl Jaspers diz, e nisto encontramo-nos plenamente de acordo como ele, “ das alles sind Grenzen der Wissenschaft,” porquanto para todo aquele homem que pense filosoficamente e poeticamente, o mundo é um todo, uma verdadeira unidade e não, como a ciência nos quer fazer crer, um punhado de remendos.

Esta visão do mundo em que o Universo, a matéria e o Homem, não se encontram separados uns dos outros, mas pertencem, antes, a uma unidade cósmica, não pode nem ser provada nem contrariada pela ciência. Pois como poderia a ciência negar ou provar isto se ela mesma não é capaz sequer de explicar o universo ou a matéria?

Ela não pode, embora muitos cientistas o tenham pretendido fazer, sequer negar a existência de um Deus, de uma potência divina que possa guiar tudo quanto existe. Pois que ela (a ciência), como acabámos de ver, através da dilaceração que provocou no mundo, atingiu os seus próprios limites, ela caiu num círculo vicioso, num trabalho de investigação, sem resultados últimos, finitos.

A pedra fundamental da ciência é a causalidade. E se é verdade que essa causalidade funciona a certos níveis, já no que diz respeito às perguntas fundamentais do homem ela deixa de funcionar. Basta por exemplo perguntarmos: qual é a causa que provocou o aparecimento do universo? Aqui o principio da causalidade falha e contradiz-se, pois a ciência não conhece, ou não é capaz de conhecer uma causa que tivesse provocado o aparecimento do cosmos. Ou seja o nascimento do cosmos é a-causal. E isto leva-nos a perguntar: como é que pode existir causalidade num mundo (o nosso) que nasceu do a-causal? Esta é uma questão à qual a ciência jamais conseguirá dar uma resposta convincente.

Ora Sendo assim, podemos concluir que a ciência se limita a ela própria e que só se pode exprimir com clareza acerca de certos assuntos bastante restritos. Ou seja, se ela por um lado nos consegue explicar o funcionamento de certos processos, já por outro lado não nos consegue dar uma resposta filosófica e convincente e definitiva da essência seja do que for. Neste ponto, ela falha redondamente. Portanto não a podemos aceitar como verdade fundamental.

Como Newton dizia:

 “ Na ciência somos todos como simples crianças, que nas margens da sabedoria vão apanhando seixos aqui e ali, enquanto o imenso oceano do desconhecido vai crescendo perante os nossos olhos. “

Na esteira de Newton o filósofo e investigador Karl Raimund Popper afirma o seguinte:

“ A ciência é uma grandiosa aventura do espírito, uma incansável criação de novas teorias e e a prática de experimentação de teorias.

Sendo a ciência uma aventura e uma criação de sempre novas teorias e como jamais poderemos hoje ter a certeza que essas teorias continuem amanhã a ter validade, chegamos à conclusão que, citando de novo Popper:

“ Nós não sabemos nada, nós somente advínhamos “.

Ou seja, o nosso conhecimento científico baseia-se em meras probabilidades. Nós aprendemos por meio de tentativas e erros, isto é, nós aprendemos dos nossos erros e não do nosso conhecimento. Nós jamais poderemos ter a certeza absoluta dos resultados finais. E concordamos ainda com Popper, quando este afirma que a única sabedoria que poderemos esperar é a sabedoria socrática, ou seja, a infinita sabedoria de sabermos que nada sabemos.

Contudo devemos reconhecer a ciência como um bem maior, e devemos mesmo considerá-la uma das principais (senão a principal) ferramentas do homem, no entanto, ela tem de voltar a descer à terra, tem de voltar a viver entre os homens (ser humanista) trabalhando para eles e não contra eles, e reconhecer-se, também ela, como uma parte integrante do todo .

Luís Costa, Züschen 2008

Luís Costa. Escritor português, nascido a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu.