Foi nas recâmaras do Senhor que te conheci,
foi ali que beijei os teus lábios de fino escarlate, foi ali que
inventámos palavras nunca antes ditas, palavras interditas,
foi ali que bebemos do amor, melhor do que o melhor vinho
O teu rosto era um pedaço de romã
e as tuas tranças lembravam os rebanhos de Jacob
No rio que atravessava aquela terra
o cedro do Líbano erguia-se em gestos de luz inaugural
E os barcos de papel singravam
rumo ao outro lado do mundo, para lá do pôr-do-sol,
era o nosso coração
ávido de descobrir a vida, ávido de chamas...
Crianças corriam pelos laranjais
Debaixo da grande romãzeira dávamos graças ao senhor...
E bebíamos do mosto das suas romãs
e olhávamos as caravanas que de longe chegavam
e a terra crescia e crescia, já quase chegava ao céu...
E adormecíamos, lado a lado, ao som da cítara de David
Ó mais formosa entre as mulheres!
Foi ali, no teu colo, que ri até mais não poder ,
foi ali, no teu colo, que chorei trevas e punhais
Bem - aventurado aquele tempo!
Bem - aventurada a terra dos nossos pais!
Os frutos, tão doces! O leite e o mel, tão saborosos!
Agora, antes de regressar ao silêncio do mar,
ao universo dos seus búzios quebrados
por um momento olharei para trás
por um momento reverei o teu rosto moreno
os favos de mel que emanavam da tua língua
os teus braços cheios de pulseiras e as tuas coxas entregues...
e num último suspiro ver-me-ei
passear pelos jardins
e pelos campos, e pelas ruas ladeadas de casas brancas
Luís Costa, Züschen MMVIII |