Tu sempre soubeste que preciso de ti
Tu sempre soubeste que existes em mim
embora, quantas vezes! Te haja negado com palavras,
explodindo raiva e amargura,
com palavras cortantes como lâminas de arábicas espadas
Mas a minha negação de Ti, tu sempre o soubeste, era
a afirmação mais contundente e também mais afirmativa que pode existir
Tu fechaste-me todas as portas,
pelo menos assim o pressenti,
e nas minhas longas caminhadas, solitário, por ruas de cidades desconhecidas
pelos becos da podridão humana, Tu morrias no meu coração,
Tu morrias em mim como uma pedra escura,
de uma escuridão tão escura que até a luz era um regaço de grades
Com a tua morte
Sempre me senti deslocado neste mundo,
sózinho e abandonado
afogado no babélico redemoinho das palavras,
com a tua morte
sempre me senti um estranho entre os homens,
sempre lhes descobri o olho da serpente por trás das bondosas pestanas
com a tua morte
percorri todas as florestas negras,
visitei as casas das prostitutas,
encerrei-me em casas de banho públicas
e aí inalei o perfume da desgraça humana
e aí vivi algumas horas de amor,
daquele amor que sempre procurei nas tuas escrituras,
mas que nunca fui capaz de receber, pois o meu coração sempre foi um cálix
demasiado pequeno para receber tanta luz,
pois que para a receber era necessário a negação total...
a negação das pequenas malícias e traições que os homens
tão alegremente me ensinaram,
a negação de todas as suas ilusões,
mas eu sempre fui o orgulho dos meus mestres,
o aluno perfeito
Foi pela astúcia de Caím que sempre me regi,
por isso sem compaixão matei e bebi do sangue virgem
e corri, enlouquecido, de porta em porta
e marquei cada porta com um risco desse sangue selvagem e destruidor;
Chorei, quantas vezes! ajoelhado diante dos Teus altares,
os quais incendei com a fúria da minha frustração...
as igrejas sempre foram o meu último refúgio
Aí, no Teu eterno silêncio, sempre imaginei ouvir a Tua voz,
a voz que se ergue no centro dos desertos,
a voz que destrói para de novo construir,
a voz que não existe no mundo do homens,
a voz que não passa do pó
mas que é um bálsamo para a alma desesperada
Por isso regressei à casa que me viu nascer,
ao eterno deserto, e aí espero um dia, de coração limpo,
poder de novo nomear-TE.
Luís Costa, Züschen XXIII. XII. MMVII
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