:::::::::::::::::::::LUÍS COSTA::::::::::::
O LIVRO EXUMADO
(XLIV POEMAS) - Index
A catedral

A catedral é um oceano de paz na tarde calma.
Pelas brechas das pedras, os wracks entram pela terra
adentro, e atracam no centro da rua. As tabernas iluminam-se.
O aroma do rum embebeda toda a praça. Gargalhadas.
E debaixo do grande carvalho, moscas cambaleantes
com jornais microscópicos nas asas.

A Primavera acorda-se no bico das aves, uma foice no cereal.
Crianças de pé descalço reinventam o mundo,
ainda puro, no gorgolejar das fontes. O leme é uma faca de
ponta e mola, a praia uma mãe de água nocturna.
Noutros tempos existiu ali uma clarabóia gigante,
era com ela que sondávamos o céu.

E de súbito, os sinos tocam. O tempo de hibernação
despe a couraça de musgo. A torneira do mar volta a correr.
A sua barbatana é vermelha e viscosa.
A firme rotação do farol. A elipse lunar.
Nos meus pés fermenta o hilozóico sonho das algas.
O mar vive dentro de caixas, no cimo dos plátanos.