Octavio Paz abre o seu ensaio El Arco e La lira, sob o título "Poesia Y Poema" com as seguintes palavras: "La poesia es conicimiento, salvacion, poder abandono. Operácion capaz de cambiar al mundo, la actividade poética es revolucionaria por naturaleza; ejercicio espiritual, es un método de liberación interior. La poesia revela este mundo: recrea otro".
Eduardo Lourenço diz-nos, por sua vez, em Tempo e Poesia que "A poesia é a expressão de origens. Solicitado pela noite animal e plenitude solar, um poeta talhou na rocha uma forma visível da sua condição. Comprender a esfinge, compreender a poesia é olhá-la sem a tentação de lhe perguntar nada".
Ouçamos também o que nos diz António Ramos Rosa: "A criação poética moderna é, efectivamente, uma criação e não uma expressão e não uma reprodução. O poema não procura exprimir-se pela palavra, mas sim participar no real".
Nestes três exemplos, encontramos, em todos eles, uma coisa em comum. Todos estes autores estão de acordo sobre um ponto: a poesia, sobretudo a moderna, não é uma imitação, uma mimesis aristotélica do real, mas antes a sua (re)criação. Para Paz a poesia "revela o mundo: recrea outro", para Lourenço, "a poesia é a expressão de origem" e para A. R. R. é "uma criação, e não uma expressão uma invenção e não uma reprodução".
"O poeta não se serve das palavras. Ele é o seu servidor". Ele devolve-lhes a sua natureza, o seu ser intacto, original. Assim na poesia a palavra liberta-se, deixa de ser serva do utilitarismo, ela é a liberdade total. Como o poeta afirma: "Contra el silencio y el bullicio invento la Palavra. Liberdad que se inventa e me inventa cada día" (1). Ela é inventada e é inventora. Ela ergue-se do fundo da pedra. E a pedra que há pouco era pedra é agora um cometa iluminando a escuridão, é a palavra reveladora a palavra em toda a sua dimensão primeira, a palavra destruidora do silêncio e do barulho. Ela é a nomeação original, antes de todos os significados. Ela é toda poderosa, ela incarna as coisas e dissolve-as para se tornar criação, para as nomear de novo. Ela é agora poesia:
La poesia no es la verdad:
es la ressurrecion de las presencias,
la historia
transfigurada en la verdade del tiempo no fechado ( 2 )
É isso mesmo, a poesia possui, de facto, um poder ontológico, ela é filha do tempo e da história, mas transcende-os, pois que é a verdade do tempo sem datas. Poderemos mesmo dizer que a palavra poética contém em si a génese do mundo, aquela centelha inexplicável, o elo de ligação entre o objecto, o sujeito e o cosmos. Coisa que nem a ciência e nem a filosofia conseguem (enfim o racionalismo humano) abarcar ou explicar em toda a sua plenitude.
Enquanto que a ciência desventra a unidade das coisas, dividindo-as em partículas cada vez ainda mais pequenas (olhemos para a Física) até à infimidade, até chegar ao momento em que tudo ( é nada ) é caos, e a filosofia coloca, ao fim de cada facto, o vocábulo: Porquê?, a poesia, por sua vez, inaugura e celebra a unidade das coisas, o milagre do SEIN ( Ser, existência ) :
Celebrar, isso mesmo! Ser destinado a celebrar,
Surgiu como minérios que na pedra assomem
Do silêncio. ( 3 )
O poeta compreende tudo sob a forma de uma linguagem (música, sons, palavras, mugidos, sussurros, etc.) vinda do silêncio das coisas, inexplicável, talvez, mas capaz de nomear a nossa condição de filhos do grande mistério. O poeta é o grande nomeador, como dizia Rimbaud, um verdadeiro vidente, ladrão do fogo que ilumina a noite do mundo e do homem com a sua linguagem metafórica. A poesia é a nomeação e revelação do inominável e assim ela exprime a essência do mundo, traz em si a essência do mundo, a sua real realidade.
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