“O poeta vê para além dos olhos “ isto é deveras uma frase iluminada! Os seus poetas preferidos foram sempre aqueles que viram para além dos olhos, por isso a sua fascinação por um Novalis, um Hölderlin, um Rimbaud, um Baudelaire, um Blake, um Nietszche, um Nerval e mesmo um Antero entre muitos, muitos outros.
Todos estes poetas, bem como tantos outros que poderiam aqui ser nomeados, foram poetas das fonteiras e dos abismos, poetas onde a loucura e a genialidade viviam par a par, poetas da entrega total....
Do seu ponto de vista, é preciso ser-se, de facto, pelo menos nos nossos dias, “ louco “ para se amar e seguir os passos da poesia. Pois a poesia exige do poeta uma entrega total. Para ela não há linhas intermediárias, ela é radical. É a manifestação da origem, da vida em toda a sua unidade absoluta: real e transcendental. Como Novalis nos diz “die poesie ist das echt absolut Reelle“ (1). Por meio da poesia o homem descobre-se a si mesmo, descobre “die innigste Gemeinschaft des Endlichen und Unendliche“( 2 ). Tudo aqui se encontra numa permanente aliança uterina, ou seja união do divino e do terrestre como ainda se pode encontrar em alguns dos povos mais primitivos. Na poesia gera-se “o fruto de uma imaginação radical que segue mais as impulsões do inconsciente do que as determinações da razão e da consciência.“ ( 3 ) .
Se não lhe tivesse sido dado o “dom“ da poesia, teria, certamente, que se recolher para um mosteiro. Muitas vezes, quando lê e relê Pierre Reverdy, sente-se como se fosse um irmão dele. Para além da poesia, o amor a Deus e o amor à solidão são duas coisas que o unem a este grande poeta, hoje, um tanto ou quanto esquecido; poeta de imagens fulgurantes, poeta que podemos considerar ao mesmo tempo materialista e espiritualista, pois que sem abandonar as pequenas coisas do mundo real, do dia a dia, consegue uma síntese admirável entre matéria e espírito. Esta síntese entre o concreto-real e o êxtase dionisíaco, existente na sua poesia, provocam no leitor uma espécie de elevação mística. Reverdy foi e continua a ser um poeta maior. Um poeta que via para além dos olhos.
Foi, precisamente, com a idade de dez anos que teve o seu primeiro contacto com Pierre Reverdy. Numa mais se esqueceu desse dia. Foi num dia de Verão, daqueles verões cálidos com noites profundas, típicos da Beira-Alta.
Um tio seu, que vivia na França, encontrava-se a passar alguns dias em casa de seus pais. Este tinha por hábito, depois do jantar, de recitar alguns poemas em voz alta. Nesse dia recitou, precisamente, um poema de Reverdy, poeta que o seu tio chamava de SUPERIOR (há que dizer que, já muito antes de seu tio, em 1928, os surrealistas Breton, Soupault e Aragon proclamavam Reverdy como “ le plus grand poète actuellement vivant “ ). Dizia o seu tio que este poeta era também um daqueles que via para além dos olhos.
Foi a revelação da poesia em toda a sua majestade! - Aquele poema, e aquela frase de seu tio, impressionaram-no de tal modo que a partir daí só passou a ter uma coisa na cabeça: tornar-se poeta.
E assim o fez: A sua entrega à poesia, tornou-se, desde então, numa entrega sem limites, incondicional. Poesia e existência tornaram-se para ele uma e a mesma coisa.
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