:::::::::::::::::::::LUÍS COSTA::::::::::::
SOBRE O NATAL
Suche nicht draußen! Kehre in dich selbst zurück! Im Innern des Menschen wohnt die Wahrheit...“ Agostinho de Hipona

Sem dúvida, a introspecção e a reflexão podem ajudar os homens a compreenderem-se a si e, sobretudo, a tentarem compreender os outros, embora por vezes, ou antes a maior parte das vezes, não seja assim tão fácil, coisa que a experiência do dia- a -dia nos bem demonstra.

Ora, o Natal que é, sobretudo, a festa do nascimento de Jesus Cristo, nascimento que pode ser visto como um acto simbólico de purificação, convida-nos, devido ao desejo de harmonia, paz e partilha que o caracteriza, a uma profunda reflexão sobre a vida e os nossos actos.

Podemos afirmar que o Natal é a realização do tempo ciclo: Tempo que, por via do nascimento de Jesus, renasce continuamente, e que nos permite, se assim quisermos, um retorno ao ponto de partida, uma descida ao cerne das nossas almas, à pureza da criança que existe dentro de cada um de nós, uma renovação em nós mesmos, uma renovação sempre possível, e que por isso nos pode também levar a redescobrir e assim a colocar certas questões, que ao longo dos dias atribulados da nossa vida stressada, hedonista e toda vergada sob o mito do consumismo e do materialismo desregrado, vamos, simplesmente, esquecendo e ignorando.

O Natal poderia ser um momento de paragem, momento em que se ponham as armas de lado, momento de diálogo e introspecção, e deveria ser, sobretudo, aproveitado para repararmos nas coisas simples da vida, como por exemplo:o simples sorriso de uma criança, o mundo que nos rodeia, a árvore de Natal, os astros, uma pedra, o sol, o mar, o peso e a leveza que cada palavra pode conter, e, desta maneira, reconhecermos que a existência não é a coisa mais banal do mundo, que estar aqui presente, poder participar no acto da criação, é, de facto, uma coisa só por si maravilhosa, um verdadeiro e único milagre.

Por este meio talvez nos fosse dada a possibilidade de reconhecermos que o dinheiro, o luxo desmedido, o desejo do poder, a pequenez e a mesquinhez dos nossos actos do dia-a-dia, a inveja, a cobiça, as nossas pequenas guerrinhas, todas essas preocupações são em si vazias de sentido quando comparadas com a imensidão cósmica de tudo quanto nos rodeia.

A verdade é que o mundo não precisa de nós, nós, sim, é que precisamos dele. Quero com isto dizer que o homem não deveria dar tanta importância a si mesmo, aos seus levianos caprichos, isto é, deveria reaprender a abrir os olhos e reparar que cada indivíduo não passa para lá de um hausto no vento, que morte e vida são duas partes da mesma medalha.

Como Montaigne nos diz:

Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e coação.

Não será isso precisamente o que Jesus nos demonstra, nascendo em Dezembro para morrer na Páscoa e de novo se tornar criança em Dezembro? Sim o Natal é um sim, um grande sim cíclico que reintegra a morte na vida .Com ele podemos não só aprender a nascer mas também a morrer.

Partindo-se desta ideia, o homem poderá agora encontrar ( apesar de todas as diferenças de carácter ) no outro um ser igual a ele mesmo, um ser que viaja no mesmo barco que ele, um ser que como ele não tem a certeza se se encontra do lado de cá ou do lado de lá do muro, um ser que como ele é um continente, um ser que como ele precisa de amor, um ser que como ele precisa de alimento, um ser que como ele deseja ter um lar que o acolha, um ser que como ele deseja ser reconhecido e respeitado. E quem sabe se e por este processo comparativo ele não se conseguirá libertar para sempre do eu e do tu para se tornar num esplendoroso: NÓS.

Sim, o Natal pode ser uma possibilidade de reconciliação, por meio de uma reflexão séria e profunda, com nós mesmos e com tudo e todos quantos nos rodeiam, uma possibilidade de apreendermos, de novo, a arte da partilha, de deixarmos de ser egocêntricos; no natal existe, de facto, uma enorme possibilidade de mudança e metamorfose: a possibilidade de nos aperfeiçoarmos interiormente, de nos tornar-mos verdadeiros homens.

O Natal é um continente repleto de uma energia fabulosa e positiva, pois que é uma afirmação, o continente do SER que engloba a morte e a vida, nele existe um caminho capaz de nos libertar das correntes opressoras do TER, da inconsciência dos nossos actos e palavras, nele poderemos, se assim o quisermos, aprender de novo a ser.

É claro que tudo isto é muito difícil. E o leitor dirá: Falar é fácil, fazer já é outra coisa. Mas não valeria a pena tentarmos? Não valeria a pena tentarmos descobrir um pouco de Natal em cada um dos dias das nossas vidas ?

 

Luís Costa, Züschen MMVII