ÀS VEZES
Às vezes
quando seguimos pelos campos
os nossos passos são relâmpagos e trovões
Nas papoilas abrem-se mundos
de peixes e insectos nunca vistos
Dali as colinas descem até nós
e o voo da águia é um mar dentro de outro
mar, um mar tão imenso
Como o orgasmo do dilúvio bíblico
Ao longe vê-se a aldeia branca de cal
e pensamentos
e os pinheiros
vem de encontro ao nosso alheamento
Não existem palavras
a linguagem é tão clara que o próprio
pensamento se dissipa num flash
de espelhos
Mudos como as magnólias,
mudos como os malmequeres,
mudos como as sardaniscas que
nos olham
, imperturbáveis,
por debaixo
dos telhados de sol,
deixamo-nos deslizar
ao som da brisa e das cigarras
ao relincho dos cereais
deixamo-nos deslizar
até que uma chuva suave nos leva
a procuramos um abrigo
Por debaixo das giestas descobrimos
antigos reinos vegetais
eras vivas dentro de seixos
espasmos de musgo
e de súbito a frescura do sangue animal
rompe como um Pégaso o plexo do mundo
e no delírio do instante as arcaicas
raízes acordam em nós
a pureza inicial
a morte acaba ali
como o pó que se faz pó
como o arco que, maleável,
em doces mãos,
se dobra
a morte acaba ali
e uma dança suave enleia os nossos corpos
leves e entregues,
leves e entregues como os leitos de jovens
príncipes e princesas
e húmidos beijos
como as conchas das tempestades
e mais além um rio abre-se-nos
e as velas pandas são o nosso estandarte
um acorde de fogo vibrante ecoa na
acostagem da nossa pele
dourada e
fumegante
E para lá dos laranjais e da terra vertical
retesos de imensidão
descemos
então
os abismos da noite atlântica
|