:::::::::::::::::::::LUÍS COSTA::::::::::::
3 POEMAS E MENOS UM PARA KONSTANTÍNOS KAVÁFIS

ÀS VEZES

Às vezes

quando seguimos pelos campos

os nossos passos são relâmpagos e trovões

 

Nas papoilas abrem-se mundos

de peixes e insectos nunca vistos

Dali as colinas descem até nós

e o voo da águia é um mar dentro de outro

mar, um mar tão imenso

Como o orgasmo do dilúvio bíblico

 

Ao longe vê-se a aldeia branca de cal

e pensamentos

e os pinheiros

vem de encontro ao nosso alheamento

Não existem palavras

a linguagem é tão clara que o próprio

pensamento se dissipa num flash

de espelhos

 

Mudos como as magnólias,

mudos como os malmequeres,

mudos como as sardaniscas que

nos olham

, imperturbáveis,

por debaixo

dos telhados de sol,

deixamo-nos deslizar

ao som da brisa e das cigarras

ao relincho dos cereais

deixamo-nos deslizar

até que uma chuva suave nos leva

a procuramos um abrigo

 

Por debaixo das giestas descobrimos

antigos reinos vegetais

eras vivas dentro de seixos

espasmos de musgo

e de súbito a frescura do sangue animal

rompe como um Pégaso o plexo do mundo

e no delírio do instante as arcaicas

raízes acordam em nós

a pureza inicial

 

a morte acaba ali

como o pó que se faz pó

como o arco que, maleável,

em doces mãos,

se dobra

a morte acaba ali

e uma dança suave enleia os nossos corpos

leves e entregues,

leves e entregues como os leitos de jovens

príncipes e princesas

e húmidos beijos

como as conchas das tempestades

 

e mais além um rio abre-se-nos

e as velas pandas são o nosso estandarte

um acorde de fogo vibrante ecoa na

acostagem da nossa pele

dourada e

fumegante

 

E para lá dos laranjais e da terra vertical

retesos de imensidão

descemos

então

os abismos da noite atlântica

SER

Deambulas por entre os dias das estacas

e do arame farpado

vibração do desejo inominável

inviolável

em todo o seu corpo de propulsões

rumo sem rumo, ascensão sem ascensão

árvore que se ergue, solitária,

no píncaro da montanha,

por baixo dela só o abismo

com as suas legiões de destruição

com os seus mares cavernosos, caninos,

incomensuráveis

 

Penetras,

sem qualquer temor ,

as regiões mais pantanosas dos matagais

e incendeias a trepidez das árvores mortas

com as chagas abertas dos teus pés

com o teu grito fresco de dor

com os olhos desventrados;

e com o sangue correndo-te pela testa

pulsando-te nos punhos

fazes estremecer os astros

abalas o relentim dos motores

a segurança dos casulos de betão

 

A terra, as aves, as árvores, os bichos

da noite e da madrugada

conhecem as relíquias dos teus sinais

a certeza das incertezas

e num rio em turbilhão perfuras o

horizonte dos desertos

és o seu mana, a consolação

dos que acreditam que só o caminho

alimenta o caminho

que só a dor amacia a dor

que só o silêncio fala a verdade

em toda a sua inicial nudez

DANÇA

O peso de tão pesado é um
golpe de luz e seda
na dança das minhas irmãs
Ah como elas rodam!
Rodam e rodam à volta
dos mastros do vento-sul
Rodam e rodam e rodam

As suas musculadas pernas
são miradouros egípcios
E as jóias de seus braços
um campo de centeio
Peixes translúcidos habitam
os seus graciosos gestos
que a sagrada refeição
tão bem modelou

Oh minhas irmãs, dançai !
Dançai, oh queridas irmãs!
Até que a sede e a fome
desapareçam nos bosques
da vossa menstruação,
até que o
Oceano nos expluda nos ossos

Deixai que os vasos comunicantes
se quebrem em mil pedaços
E assim voltemos a nós
Ás nossas raízes
na verdade dos cacos, no pó