Sento-me na esplanada
um copo de cerveja à minha frente,
o mar espraia-se, calmo, até se tornar
horizonte,
o silêncio de Deus ondula por sobre
as dunas e toda a praia,
as gaivotas voam, baixas,
atravessam os meus óculos de sol,
rasgam o crepúsculo da íris,
destroçam todas as pobres emoções,
quase se desfazem contra os veleiros
que lá ao longe singram,
quem sabe para onde irão.
Talvez para o Brasil, ou para a USA,
rumo ao sonho americano,
espelho já um tanto ou quanto arranhado,
mas que ainda existe,
que persiste em existir, com garras e dentes,
com garras e dentes.
Ou para a Grécia,
para a Grécia de Ulisses
ressuscitado na memória de um professor de filologia clássica
daqueles professores que usam bengala
e uma barba que lembra Platão,
mas que pouco ou nada percebem de Kavafis,
esse que dizia que não era grego,
mas sim a própria Grécia,
a própria Grécia,
mas isso já é outra história,
outra história para outro poema,
quem sabe, talvez.
Oh Veleiros para as grandes aventuras!
Veleiros de Sonhos! Veleiros voadores!
Veleiros da imaginação e dos hálitos a vapor,
mais altos do que vós só os foguetões
que quase tocam a via-láctea,
como naqueles dias das noites provincianas,
em que olhávamos o firmamento
e contávamos as estrelas pelos dedos,
eram tantas, O meu Deus ! Sim, eram tantas!
( tínhamos de inventar sempre mais e mais e mais dedos )
e encontravam-se tão distantes
mas ao mesmo tempo tão próximas....
Nos nossos sonhos tocávamos-lhe com a ponta do nariz
e dos nossos lábios emergiam palavras indizíveis,
palavras de sangue, palavras cruciais,
palavras de histórias incontáveis de nós mesmos
do sexo de Euterpe, da carne de Pátroclo,
da farinha do Big-bang...
E por entre os astros do fundo dos ribeiros os nossos
antepassados acenavam-nos,
com uma pomba branca nas mãos, acenavam-nos.
E riamos, riamos, ainda puros, ainda tão inocentes!
Tudo era tão grande! tudo tão inexplicável !
e os lobisomens corriam as sete freguesias
e as bruxas apareciam à meia-noite nas encruzilhadas
e os dias ainda eram redondos,
redondos como os campos de alfazema
na Provença de Van Gogh,
redondos e circulares como o mar dos antigos
Fenícios ou a Teologia de Xenófanes.
Sentíamo-nos encontrados,
éramos nós em nós, nós diluídos na imensidão,
na pureza das coisas, na sua luminosidade.
O tempo existia como uma pedra ou um rio,
Ou como a pele quando estremece
ou como um lagarto ao sol do meio-dia
ou um vinho que amacia o lagar,
o seu granito rude -
era um sempre presente contínuo, como se diz em gramática.
Ah como gostávamos de ver as ovelhas pastando!
e as cabras na ponta dos rochedos
- como os seus cornos relampejavam !
E o pastor era um sol sob a sombra de uma bétula
e os pinheiros eram a nossa bússola
os teixos rosas dos ventos
os castanheiros astrolábios.
Foi então que um dia,
ao bater do relógio da torre da igreja,
enquanto corríamos por entre amendoeiras e
laranjeiras em flor,
se acordaram metáforas de mortos-vivos em nossas palavras,
metáforas de gabardinas sobrepostas,
de lázaros decapitados,
de máscaras negras no centro de nós,
de templos conspurcados e altares destruídos,
de espermas de homúnculos e virgens violadas.
Foi então que descobrimos a nossa falsidade,
a falsidade das ideias e dos nomes
e nos livros de história e de direito canónico aprendemos
que matar também podia ser uma boa acção;
que também há um tempo para as guerras santas
como para tudo, como para tudo.
Um tempo cor-de-rosa, um tempo azul, um tempo
negro e por aí adiante.
E deste modo,
o tempo do arco e da flecha acabara,
tempo em que íamos de terra em terra
e dávamos graças aos deuses por cada nova manhã,
por cada novo insecto, por cada nova dádiva de Ceres,
por cada nova incerteza.
Agora existiam as torres, torres tão altas, torres
de pedra, torres de vidro, torres de aço e betão,
torres tão quentes como todo o sol,
como os foguetões que já chegam a Marte.
Chegámos mesmo a bater às portas de Deus,
mas ele não nos respondeu.
Não.
(o seu silêncio fez-nos doer de tal modo o coração
que a nossa pele escureceu de febre- amarela )
Alguém nos disse
Que ele se envergonhava de nós, como um pai que se envergonha
de um filho ladrão.
Mas não será que Ladrões somos nós todos?
Ou muito menos?
Também há aqueles que são sinceros e honestos,
mas a honestidade, a honestidade, honestidade, dizia um antigo teólogo,
tem pernas curtas,
demasiado curtas.
Não é verdade dona Rosa?
Ou perguntem ao senhor Pires que estudou Teologia e Filosofia,
e andou em duas Guerras.
Esse, esse sim ,esse já viu muito,
e se Deus quiser ainda há-de ver mais.
O destino é que manda
o destino é que manda
acredite-se em Deus ou não
ou no método cartesiano
ou nas certezas da matemática
ou nas proezas da genética
que já consegue produzir homens ideais
inteligentes, belos, de vidro liso ou colorido,
de olhos azuis ou castanhos, pequenos ou tamanhos,
sem defeitos aparentes...
Mas, seja lá como for...
Deixai-nos de novo sonhar, sim, deixai-nos de novo
aprender a sonhar.
Pois não é verdade que pelo sonho é que nós vamos?
E nos nossos sonhos também entram
grandes veleiros e aviões que nos
transportam daqui até Paris em duas horas
e a internet que nos torna todos irmãos.
Sim, irmãos, irmãos somos nós todos,
irmãos somos nós todos ou muito menos
senão do mesmo pai pelo menos da mesma mãe.
- Se assim é ou não, isto é o que nos
contam os pré-historiadores. |
Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.
Depois de passar três anos num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo. Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.
Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado. |