i
Os meus horizontes são fugazes
porque do arco-íris construídos
do escarlate e do azul
lilases se extinguindo
sob os céus da Cidade Velha
Também o vulto de Cristo
crucificado
entre a nudez da palavra
e a inanição da ribeira
ii
a palavra.
a morte à cabeceira do sonho:
santiago ou nho nacho
oh! o insondável martírio
do verbo
entre as ervas das ribeiras
iii
A bruma
húmida e só
cobre o dia
Um relâmpago
risca rápido
o meu coração
Uma ribeira
corre em catarata
na minha alma
A chuva cai
desvairada
sobre a apodrecida espiga
da minha boca
iv
A hidropisia da cidade
cobriu-se de fuligem
É agora a idade
dos grilos e de outros insectos
hílares como cítaras na noite
v
São deveras memoráveis
estes tempos setembrinos
A chuva
promíscua
dorme
com os políticos
um sono sem pesadelos
vi
Os vegetais
como as éguas
esganiçam
com as primeiras águas
vii
Recolhem-se as baga-bagas
às luzes da noite
Encolhemo-nos nós
mais os gafanhotos
na sombra dos dias |
JOSÉ LUÍS HOPFFER C. ALMADA, jurista, poeta,
ensaísta, analista e comentador radiofónico. Nasceu no sítio de Pombal,
Concelho de Santa Catarina, ilha de Santiago, Cabo Verde (1960). Reside
actualmente em Lisboa. Licenciado em Direito pela Universidade Karl
Marx, de Leipzig, e pós-graduado em Ciências Jurídicas e em Ciências
Políticas e Internacionais pela Faculdade de Direito de Lisboa.
Desempenhou as funções de técnico superior
em vários departamentos governamentais e de Director do Gabinete de
Assuntos Jurídicos e Legislação da Secretaria-Geral do Governo.
Associado a diversas iniciativas culturais em Cabo Verde, como o
Movimento Pró-Cultura (1986), o suplemento cultural Voz di Letra do
jornal Voz di Povo (1986-1987) e a revista Pré-Textos; director da
revista Fragmentos (1987-1998); co-fundador da Spleen-Edições (1993) e
dirigente da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (1989-1992/1998).
Participação regular em colóquios, em diversos países, como Senegal,
Cuba, Bélgica, Brasil, Angola, Portugal, Holanda, Suíça, Moçambique;
colaboração assídua em jornais e revistas literárias e jurídicas, com
destaque para Fragmentos, Pré-Textos, Direito e Cidadania, Lusografias,
A Semana, Liberal-Caboverde. Representado em diferentes antologias
poéticas estrangeiras.
Organizou Mirabilis – de Veias ao Sol
(Antologia dos novíssimos poetas cabo-verdianos (1998) e O Ano Mágico de
2006 – Olhares Retrospectivos sobre a História e a Cultura
Cabo-Verdianas (2008).
Publicou: À Sombra do
Sol, I e II, (1990); Assomada Nocturna (1993), Assomada Nocturna –
Poema de NZé di Sant’ y Águ (2005); Orfandade e
Funcionalização Político-Ideológica nos Discursos Identitários
Cabo-Verdianos (2007), e Praianas (Revisitações do Tempo e da Cidade)
(2009).
Utiliza os nomes literários Nzé di Santý
Águ, Zé di Sant´y Águ, Alma Dofer Catarino, Erasmo Cabral de Almada
(poesia), Tuna Furtado (artigos e ensaios) e Dionísio de Deus y Fonteana
(crónica literária e prosa de ficção). |