São cinco essas folhas, porque cinco é o
número daqueles que iluminam o templo. Cinco é também o número do amor,
o número nupcial, como ensinava Pitágoras, o número da união do
princípio masculino, celeste, o três, com o princípio feminino,
terrestre, o dois. O símbolo do homem, como o conhecemos do desenho de
Mestre Leonardo e do ensinamento de Hildegarda de Bingen. Cinco é também
o conjunto dos sentidos que nos ligam ao mundo e através dos quais o
mundo se nos revela.
A primeira folha, intitula-a Maria “ da
inteligência dos bosques”
E, no primeiro poema, diz-nos que estamos
aqui como num templo iniciático, onde o que se passa “ À luz da lâmpada
do anfitrião da casa” não pode ser revelado, e é objecto de um voto de
silêncio. È também em silêncio, como em todos os templos, que devemos
entrar com o coração cheio do vinho do amor. Em silêncio se contacta com
a inteligência dos bosques, com tudo o que nos bosques há que, como
dizia Bernardo de Claraval, nos pode ensinar muito: as aves, o vento, a
água que nos hão-de ensinar a “ciência da respiração”..
Maria trabalha “ na lavoura do alfabeto”.
A “centenária árvore” ensina-lhe a subtil “fonética dos insectos.”
A acácia é a árvore que está no coração
deste bosque, a acácia árvore de folha perene de que era feita a arca da
aliança que se encontrava no Santo dos Santos, do Templo. A acácia
árvore que no dealbar do solstício de Inverno nos anuncia a luz de
inúmeros sóis, a acácia com que se cobriu o corpo morto de Mestre Hiram
que a ciência dos bosques fará renascer nos nove mestres seus
sucessores.
Por isso o segunda folha se intitula “ da
ciência dos bosques”, porque bosque e amor são inteligência e ciência,
lugar onde aprendemos, o que aprendemos, e como aprendemos no ritual
sagrado.
Mas o bosque é também o lugar de sombras,
porque tudo no homem é simultaneamente luz e sombra, branco e negro, e a
variedade infinita de cores entre o branco e o negro. Por isso a
terceira folha se haveria de intitular “das sombras dos bosques”.
Esse é o espaço da solidão, da tristeza,
da noite.
“ Vem pela noite um bandido
com uma mão cheia de cinzas
para nos cegar”
escreve Maria no terceiro poema dessa
folha. E interroga-se Maria pensando nesses mendigos que aguardam apenas
“a tigela de sopa” esmagados pelo cinismo:
“«quem é que reponde por isto?»”
Ao lado do negro está o branco, ao lado
das trevas está a luz, ao lado das sombras estão as clareiras, lá onde o
céu se abre límpido para homem, lá onde o homem pode receber a luz em
contacto com o céu. Lá se encontram “ as roseirais do tempo”. Lá se
poderá dialogar simultaneamente com o azul do céu e o verde das árvores.
“ E a árvore disse: «criei em ti o verde.
Porque me amaste
Teci em ti a ilusão da sede.
Depois,
Para que me conhecesses
Entreguei-te
Às luminárias do solo.»
É o diálogo com a divindade, como o
praticou Alain Bosquet, simultaneamente tormentoso e sereno, porque,
como bem sabemos, o próprio Deus deseja a sua finitude e intimidade, Ele
próprio deseja as coisas simples do homem: o calor do sol, a chávena de
chá, o caderno, os lírios. E assim termina essa quarta folha, “das
clareiras dos bosques”:
Escreve:
No alto da manhã
prepara-se o sol
para uma chávena de chá quente.
caderno e lírios surgem mais tarde
entra,
fecha a porta.
agora precisamos de paz.
Finalmente, “do coração dos bosques” é a
última folha.
Na sua viagem através dos bosques, Maria
perdeu o medo, porque toda a viagem é uma luta contra o medo, um modo de
ir ao encontro da sabedoria, da força e da beleza.
Os bosques existem porque no seu centro
está o coração. Chegados a Dezembro, ao frio, o que dos bosques resta é
o coração.
Meu coração fugiu das coisas vãs
venceu as
pedras o ar o espaço
para
cantar disse manhã
criança
de
água
ave branca
Maria chegou à essência das coisas, à
irmã criança, à irmã ave, os seres que dão sentido ao mundo. Dá-se nela
o renascer das coisas. Depois de Dezembro surge a Primavera, o “ sopro
livre”, “o domínio das cores.”
Perto do fim, ela, a criança, olha para
trás, para o Outono, para a ceia de Natal, e descobre:
“O amor é o que nos resta de mais
sagrado”
Da memória da viagem, o amor é, sim,
Maria, o que nos resta de mais sagrado no coração dos bosques.
HENRIQUE DÓRIA |