GERARD CALANDRE

VESTÍGIOS

Trad. Nicolau Saião

VESTÍGIOS - INDEX
ONDA

O nojo das palavras.

O bom nojo das palavras.

É demais.

Depois de uma tarde no cinema

esta gente por aqui deprime-se

Lembra-me de antigas ambições, deixa-me branco

o nojo das palavras ou então um grande susto.

Meio arruinado tento o destino com uma de Petrarca

mas não vai, não arranca, nada se mexe

Nestas alturas o melhor é esquecer o passado

Esquecer o futuro, fingir que há algures um mapa

de antigos países à nossa espera.

Como eu gostava de saber os ritmos secretos

de velhas civilizações

Não há que hesitar: solenizemos o desgosto

A flor, o arbusto que se incendeia de cor numa esquina

pode talvez servir de alguma ajuda

Descobrir coisas sensíveis e assim

tantas outras maravilhas são pó

Não há diferenças entre justos e injustos

Mas não há diferenças mais que não seja um sinal

dos nossos reinos ocultos de corpos onde a Terra acaba

Essas crianças desfeitas um intervalo entre dois retratos

a vinha virgem que o tempo devorou

O nojo das palavras mesmo poucas que sejam

mesmo que pouco nos digam e nos perguntem.

Não os pensamentos completam o abandono

são presenças vivas no mundo que não existe

Os teus olhos às vezes ensinam-me

embora olhos não haja nesses mundos atónitos

É uma hipótese

a jovem folhagem, o odor

E que estariam eles a fazer na altura

em que algo se quebrou?

A origem do Homem, memória insustentável

 

O nojo das palavras e tudo termina.

Gérard Calandre nasceu em 1952, na Bretanha, França. Viveu na Itália, leccionando na cidade de Messina. De formação científica, tem-se mantido afastado do mundo das Letras. Autor do livro Vestígios, traduzido por Nicolau Saião e de textos esparsos sobre o seu ramo profissional. Visitou Portugal em 1992 e 1997. Após o falecimento de sua mulher foi viver para o Canadá francófono.

Tem colaboração nas revistas “Diversos” – dir. José Carlos Marques, “Bicicleta” – orientada por Manuel Almeida e Sousa, “Agulha”(Brasil) – dir. Cláudio Willer & Floriano Martins, etc..

NS