GERARD CALANDRE

VESTÍGIOS

Trad. Nicolau Saião

VESTÍGIOS - INDEX
MANHÃ

1.

Era fácil, naqueles anos, escrever na pedra

Gotas enormes caindo sobre os ombros dos deuses

Eles pegavam em pequenos papéis, às vezes

sem saberem como ficavam parados nas ruas.

Ao entardecer sabiam notícias de si mesmos

 

À sua volta tudo era colorido: a terra, as árvores

o paredão junto à piscina, os céus

Carolina punha talvez a sua camisola escura.

Zeus olhava para baixo, bebia um pouco de Campari

Ouvia-se agora o mundo com o seu imenso movimento.

Homens voltavam do Rift, encontravam ali esqueletos

uma nova alegria volteava nos ares Maria Laura praguejava

Tudo tinha provavelmente um ligeiro ar de família

 

Foi assim que me apaixonei pela Antiguidade Clássica.

Foi talvez assim que busquei uma nova sobriedade.

Rapazes de bigode sugestionados pelo lamento do violino

A viagem magnífica O impermeável era encantador

 

2. Aos dez para o meio-dia sente-se um pouco

de piedade

Vamos pensamos nós não cometam o mesmo erro das

gerações vindouras

Ao longo da rua do viaduto toma-me a vontade de fumar

Foda-se caralho foda-se A beleza rodeia-me.

Júpiter meu senhor de quatro toneladas

- uma certa música um certo sabor a barro uma andorinha

Cientistas garantindo que o Homem ali é que nasceu primeiro

e a andorinha chega ora toma do outro verso e larga

sobre a minha cabeça vozes que ondeiam gravemente.

 

Não sou capaz de garantir que o meu destino é fagueiro

Andrómaco ou Perseu que é como quem diz O porteiro

chama-me deixei cair qualquer coisa Velhas chaves

Foda-se caralho foda-se E fala-me em francês

 

Parecidos um com o outro diz o meu antigo ajudante

manobrando uma pipeta Os porteiros exageram

Os deuses porventura menos delicados balbuciam

Foda-se caralho foda-se Vão-nos deixando em outras eras.

 

Angelina com a sua saia plissada

tem palavras adequadas para saudar o dia

A rapariga de grandes olhos pintados é Perséfone

Foda-se caralho foda-se Subo aos céus Desfiguro-me.

Gérard Calandre nasceu em 1952, na Bretanha, França. Viveu na Itália, leccionando na cidade de Messina. De formação científica, tem-se mantido afastado do mundo das Letras. Autor do livro Vestígios, traduzido por Nicolau Saião e de textos esparsos sobre o seu ramo profissional. Visitou Portugal em 1992 e 1997. Após o falecimento de sua mulher foi viver para o Canadá francófono.

Tem colaboração nas revistas “Diversos” – dir. José Carlos Marques, “Bicicleta” – orientada por Manuel Almeida e Sousa, “Agulha”(Brasil) – dir. Cláudio Willer & Floriano Martins, etc..

NS