Ando cada vez mais distraído.
Não têm conta as vezes que extravio
a carteira, papéis formais ou informais
quanto a poemas versalhada então nem é bom falar
Chamaríeis a isto velhice? E que dizer
dos nomes que troco, dos equívocos a que dou lugar?
Mas afinal só há pouco passei dos quarentas
O bom cabelo escuro não dá mostras de levantar ferro
então que será?
Verdade se diga
que também me ocorrem muito melhor os trechos
de muita gente que li outrora e alguns bem puxados
olho de mocho olho de foca olho de avejão
Coloco o sobretudo em cima duma cadeira e reparo
as coisas da casa desta e de outras não minhas
parece que estão numa outra luminosidade
olho de galo olho de rena olho de cavalo
a geada passa não tem efeito na paisagem
esqueço-me e talvez que isso seja um bem.
A minha perna começa a deixar-me em paz
ontem li um jornal e nele um deus qualquer adormeceu
olho de vaca olho de cão olho de pássaro
Um meu amigo que escrevia para uma revista está bem pior
ficou como um torso integral depois dum grande tombo
Mas dizem-me não deves chamar o Sebastião
a Jean Sebastian Bach é má-criação
denota um à-vontade malcheiroso para com os génios
Mas esqueço-me e digo o Sebastião
se pergunto por um disco dele a um familiar
Como compreender tudo isto? Como desfazê-lo?
Olho de coruja olho de bode olho de galinha
E, não me dirão, como conquistar os tempos?
Como esquecer que a amargura é mesmo assim virtual
olho de mula olho de abutre olho de qualquer coisa
que nunca se teve, não se terá, nem mesmo se inventa. |