GERARD CALANDRE

VESTÍGIOS

Trad. Nicolau Saião

VESTÍGIOS - INDEX
SALA

1. Às vezes

pergunto-me se estarei distraído

enquanto como com o rosto rente ao prato

 

Às vezes

não sei realmente que pensar

se é manhã

se é noite

enquanto o Sol nos traz imagens que lembram

o tempo que foi o nosso seguro destino

 

Às vezes

a questão é esta: Deus escreve

mesmo direito

por linhas que já perderam a direcção

ou afinal

a história estava mesmo mal contada?

 

Não me parece.

Ou parece?

 

Contudo

eu confio.

 

Vejo talvez mais longe

que um simples habitante

da minha condição de ser humano.

Vejo talvez

como um animal do bosque

mais puro

sem cartão de crédito

com a pelagem ainda húmida da aurora

como um modesto gato que pelas ruas

 

saúda a manhã.

 

 

2. Os amigos começam mal

quando começam só pelo princípio das coisas.

 

Devem deixar-nos algum espaço

como água do banho sempre limpa

quando, cansados, à noite chegamos a casa.

 

O amigos começam bem

ainda que algo incertos

quando abrem lentamente a sua voz

à nossa angústia de outrora.

 

Ou seja – são sempre presenças perfeitas

mesmo que em dúvida

porque a nossa memória esperançosamente os aguarda

na exigente natureza dos séculos.

Gérard Calandre nasceu em 1952, na Bretanha, França. Viveu na Itália, leccionando na cidade de Messina. De formação científica, tem-se mantido afastado do mundo das Letras. Autor do livro Vestígios, traduzido por Nicolau Saião e de textos esparsos sobre o seu ramo profissional. Visitou Portugal em 1992 e 1997. Após o falecimento de sua mulher foi viver para o Canadá francófono.

Tem colaboração nas revistas “Diversos” – dir. José Carlos Marques, “Bicicleta” – orientada por Manuel Almeida e Sousa, “Agulha”(Brasil) – dir. Cláudio Willer & Floriano Martins, etc..

NS