Joanica, a tal
que na escola se parecia com a Henriqueta
encontrei-a há dias. Ali por perto morara Yannis Xenakis
a rua desembocava numa praça com um jardim.
A História tem uns olhos enormes
torna possível quase tudo – eu diria tudo, mas
algo se dissolve sem deixar os grandes ciclos da vida
Respiração obstinada
Trocámos dois dedos de conversa
e eu nas tintas. A Joanica
tem uma maneira de olhar
Um silencio
Uma voragem
Quase tudo se pensa saber e no entanto
Ao mesmo tempo lembrei-me que ela casara com o Julião
um excelente artolas Químico numa fábrica de perfumes
e perguntei “O Julião?” e enquanto ela falava eu via
coisas antigas; um globo terrestre na sala de aulas
a obscuridade do jardim na noite de Verão
Às vezes as coisas leves fragmentam-nos, fazem-nos rodar
Enfim, uma história de cornos e putas
importação-exportação. A praça esvaziava-se pouco a pouco
e era verdade
“Até que os apanhei” dizia ela e era
verdade Em redor passava alguma gente estranha
O tanque que outrora tinha uma figueira por cima
Um corpo que não se move e se dispersa e se transforma
Atirei-lhe enquanto lhe dava um beijinho na face
“Então até outro dia. E mantém a calma, ouviste?”
as espessuras da existência Apertou-me a mão ficou
a olhar para mim
A Joanica
tinha e tem uns grandes olhos verdes Algumas
vezes me deixou copiar Andava muito devagar, gostava
de História e era religiosa praticante. Eu tive por ela
uma espécie de ternura. Não posso explicá-lo. Foi assim.
A sua preocupação quanto àquele assunto impressionou-me.
Aparece desaparece Viro-me é um transeunte anónimo
perdão diz-me Todas as significações possíveis
Durante algum tempo
vejo distintamente muitos gaiatos quietos Em filas
aprendo pouco a pouco a lembrar-me. Cysne
ou Lyra, Cassiopeia Um pouco mais para o norte um clarão
A cidade e perto árvores que crescem
Muitos rostos indistintos à espera, observando, observando. |