GERARD CALANDRE

VESTÍGIOS

Trad. Nicolau Saião

VESTÍGIOS - INDEX
AVE

Meu nome

hirto intangível uno

voz assombrada. Ao nascer do dia aprendo a olhar

tudo o que me ofereceram tudo o que perdi

Meu nome

placa giratória flor decepada cortina

O meu irmão que deus não tem fala-me Que Deus tem

e terá As madrugadas estão imóveis

A sua voz tranquila a semelhança das linhas

do rosto Como era bela a hora do sol-pôr

Resistia à aventura e nem por isso menos bela

Meu irmão posto ante o milénio profundo

a longínqua floresta. Vós os amados do tempo

fragmentos e sentidos o fazer coisas simples

Os séculos e suas meditações os visíveis e invisíveis

recordo o cheiro pestilento das glicínias

Sereno no dia sereno na tarde Meu irmão acolhido

a ti regressarei como uma espera

O avô que nos comprava as botas para andar na neve

Aquela vez do coelho Aquela vez da viagem

a carne macia como se compreendêssemos

rebanhos de rosas rebentos de pulmões

Há uma esperança doutor Peço-lhe pelas suas alminhas

Meu irmão tão parado pulso sulcado de finos traços

O que é que a brisa diz quando passa nos telhados?

A janela cintila e tu não estás nela

O pai que sabia braille a sua voz por vezes estranha

por vezes há uma tristeza remanescente e viva

Conheço a pedra conheço o vinho conheço a sombra

meu irmão que já me não fala

Todas as veredas por onde caminhámos

agora mais nossas escritas para melancólicos

Uma voz necessita que os anos a busquem

a desejem

Coisas raras e no alto uma ramagem poderosa

Mano

Naquela manhã um ébrio caíra junto à nossa porta

Vingo-me do céu vingo-me do sono

nada tenho para esquecer

Dissipa-se a ternura um vaso cheio dum líquido escuro

O teu sangue furor perfeito

As palavras agora renascem da areia e perduram

Não é necessário falar Outra coisa

é o nosso cenário conjunto Algum dia direis

 

Meu irmão única visão consolidada.

Gérard Calandre nasceu em 1952, na Bretanha, França. Viveu na Itália, leccionando na cidade de Messina. De formação científica, tem-se mantido afastado do mundo das Letras. Autor do livro Vestígios, traduzido por Nicolau Saião e de textos esparsos sobre o seu ramo profissional. Visitou Portugal em 1992 e 1997. Após o falecimento de sua mulher foi viver para o Canadá francófono.

Tem colaboração nas revistas “Diversos” – dir. José Carlos Marques, “Bicicleta” – orientada por Manuel Almeida e Sousa, “Agulha”(Brasil) – dir. Cláudio Willer & Floriano Martins, etc..

NS